TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

318 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de correspondente sentido, a adoção de um comportamento revelador da vinculação do imóvel adquirido ao fim legalmente prescrito. Tal conclusão parece sair reforçada ao encararmos o enunciado pela negativa, isto é, a partir das situações em que o mesmo se poderá dizer desatendido ou inobservado: linguisticamente, a obrigação de destinar exclusi- vamente um imóvel para arrendamento habitacional não poderia deixar de ter-se por prima facie violada caso o imóvel, em ato consecutivo ao da sua aquisição, fosse, por exemplo, alienado ou dado de arrendamento comercial; neste caso, estar-se-ia a dar ao prédio adquirido um destino diverso daquele que é imposto legalmente – e fora declarado – ao imóvel. Mais decisivo do que elemento linguístico é, porém, o elemento racional ou teleológico – isto é, aquele que, na determinação do sentido do enunciado legal, manda atender à finalidade prosseguida pela norma interpretanda, isto é, à sua razão de ser ( ratio legis ). Sabendo-se que a clarificação do espírito da lei que institui determinado regime não passa sem a identificação das situações a que a mesma procurou dar resposta (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito , Coimbra: Almedina, 2012, pp. 366 e seguintes), é altura de retomar aqui o que ficou já dito a propósito das razões subjacen- tes à criação do regime jurídico aplicável aos FIIAH e às SIIAH, em especial no âmbito tributário: tratou-se da con- sagração de um conjunto de benefícios fiscais destinados a incentivar investidores privados a, mediante a criação de fundos imobiliários, adquirir, para ulterior colocação no mercado de arrendamento, imóveis particulares cuja compra fora financiada através do recurso ao crédito à habitação, de forma a dar resposta à situação de um amplo conjunto de famílias que, no contexto da crise económico-financeira iniciada em 2008, haviam deixado de conse- guir suportar o pagamento das correspondentes prestações, proporcionando-lhes, assim, a possibilidade de alienar as respetivas frações ao fundo, mantendo, ao mesmo tempo, a disponibilidade sobre o imóvel mediante a celebra- ção, por renda de valor inferior ao daquelas prestações, de contratos de arrendamento com os fundos adquirentes. Aqui residindo o ponto de referência do regime tributário instituído no artigo 8.º do Regime jurídico aplicável aos FIIAH, aprovado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, duas conclusões parecem-se impor-se desde já, com evidência, pelo menos, suficiente para afastar a possibilidade de ter por certa a caracterização como um facto instantâneo – e, por isso, integralmente pretérito – do evento tributário em causa nos presentes autos. A primeira é a de que os benefícios fiscais consagrados naquele artigo 8.º são, não estáticos, mas dinâmicos, no sentido em que visam incentivar a prática do sucessivo conjunto de atos que integram o iter necessário à colocação no mercado de arrendamento habitacional de frações adquiridas pelos fundos imobiliários para esse fim, através do estabelecimento entre as vantagens fiscais em cada momento atribuídas e a atividade em concreto estimulada de uma relação de causa-efeito. A segunda é a de que, no que toca aos benefícios consagrados na alínea a) do n.º 7 e no n.º 8 do artigo 8.º do Regime jurídico aplicável aos FIIAH, na versão aprovada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro – isenções de IMT e Imposto do selo –, a causa do benefício só pode residir na efetiva disponibilização do imóvel adquirido para arrendamento habitacional. A atividade fomentada – isto é, a atividade cuja realização aquelas isenções se propõem incentivar – não é a mera aquisição do imóvel, ainda que acompanhada da declaração do propósito de o afetar ao arrendamento habitacional; é sim a colocação no mercado de arrendamento habitacional do imóvel adquirido, sendo essa, em definitivo, a atividade cujo exercício se pretendeu estimular através da concessão dos referidos benefícios. À luz da ratio subjacente ao regime tributário previsto para os FIIAH na própria Lei n.º 64-A/2008, dificilmente se compreenderia que o pressuposto das isenções concedidas em sede de IMT e de Imposto do Selo pudesse residir exclusivamente no animus do ato de aquisição do imóvel — isto é, pudesse bastar-se com a mera intenção, ainda que verídica e séria, expressa pelo fundo no ato de aquisição, de destinar ao arrendamento habitacional o imóvel adquirido –, independentemente de qual viesse a ser o destino efetivamente fixado ao prédio. Pode, por isso, legitimamente duvidar-se de que, antes mesmo das alterações introduzidas pela Lei n.º 83-C/2013, a mera declaração de vontade expressa no ato de aquisição pelo fundo, ainda que conforme à respetiva vontade real, constituísse, tal como entendeu o tribunal a quo, o único pressuposto da condição – nesse

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