TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

328 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL sua existência deverá radicar em relevantes e fundados motivos e interesses públicos (a título exemplificativo, vide o Acórdão n.º 855/15), de forma a que os benefícios fiscais não ponham em causa as receitas necessárias ao financiamento de serviços públicos de qualidade ou prestações sociais a que têm direito os cidadãos mais desfavorecidos. Por razões de transparência, apresenta-se o seguinte excerto da fundamentação do projeto por mim elaborado enquanto relatora originária: «7. Apenas com a 4.ª Revisão Constitucional, introduzida pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de setembro, se consagrou, de forma expressa, na Lei Fundamental, a proibição de retroatividade da lei fiscal, dispondo o n.º 3, do artigo 103.º que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroativa. Até este momento, a jurisprudência constitucional acolhia, no essencial, o argumentário vertido no Parecer n.º 25/81 da Comissão Constitucional, que procurou estabelecer limites para a modificação da lei fis- cal com fundamento na ideia basilar de que é interdita a “retroatividade em termos que choquem a consciên- cia jurídica e frustrem as expectativas fundadas dos contribuintes, cuja defesa constitui um dos princípios do Estado de direito social”. O postulado da não retroatividade de Lei Fiscal desfavorável constituía, então, um corolário do princípio da proteção da confiança (artigo 2.º da CRP), razão por que, neste enquadramento, o Tribunal Constitucional afirmou que «a retroatividade tributária terá o beneplácito constitucional sempre que razões de interesse geral o reclamem e o encargo para o contribuinte se não mostrar desproporcionado – e ainda mais o terá se tal encargo aparecia aos olhos do contribuinte como verosímil ou mesmo como pro- vável (Acórdão n.º 275/98, de 9 de março de 1998, proferido no processo n.º 370/97, disponível no site do Tribunal e no mesmo sentido os Acórdãos n.º 11/83, n.º 66/84 e n.º 141/85). A matéria da retroatividade fiscal recebeu, antes da Revisão constitucional de 1997, uma atividade juris- prudencial e doutrinária criativa, por força do silêncio da Constituição. Na doutrina, os autores defenderam a existência da regra da irretroatividade com base no princípio da legalidade fiscal, no princípio da proibição da adoção de leis restritivas, ou nos princípios da tipicidade fiscal e da igualdade contributiva e na jurispru- dência aferia-se a legitimidade constitucional das normas fiscais retroativas pela aplicação do princípio da confiança e dos seus critérios concretizadores. Contudo, apesar deste labor doutrinal, a introdução, na quarta revisão constitucional, da regra da irre- troatividade teve uma função autónoma de reforço do contribuinte contra o Estado, não se tratando de uma alteração meramente estética ou simbólica. É que, apesar de se verificar uma sobreposição parcial entre a proibição constitucional específica da retroatividade fiscal e o espaço protegido pelo princípio da proteção da confiança, a regra da irretroatividade fiscal criou um domínio de proteção acrescida dos contribuintes contra as intervenções normativas de tipo retroativo, que nunca poderia ter sido levado a cabo, com tanto êxito, pela proteção da confiança. Como afirma Jorge Bacelar de Gouveia («A irretroatividade da norma fiscal na Constituição portuguesa», in Estudos de Direito Público , Volume I, Principia , Lisboa, 2000, p. 298), com a inclusão do novo preceito sobre irretroatividade fiscal passou a ser indiscutível, em termos político-normativos, a existência de tal limitação à atividade legislativa no domínio fiscal; por outro lado, em termos normativo-constitucionais, a delimitação oferecida pela nova regra é mais ampla e proporciona um conteúdo mais preciso, não se caindo na fluidez das considerações de teor substancialista, e, em termos dogmático-constitucionais, tal regra subjetiviza-se num direito de resistência fiscal, que favorece a máxima proteção contra a respetiva violação, o que não seria possível com base no princípio da confiança. Assim, a proibição da retroatividade surgiu como uma reação contra os abusos cometidos pelo Estado contra os cidadãos no período anterior a 1997 e em relação aos quais o princípio da confiança se revelou insuficiente para fundamentar a inconstitucionalidade de impostos retroativos (cfr. Acórdão n.º 11/83). Neste contexto, deve atribuir-se um sentido útil à irretroatividade fiscal, enquanto garantia de defesa dos cidadãos contra a tentação do Estado criar, em momentos de crise, impostos retroativos que afetem os rendimentos das famí- lias e os seus planos de vida.

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