TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
329 acórdão n.º 489/18 Na sequência da referida revisão, a jurisprudência constitucional – não descurando de assinalar a inova- ção acolhida no n.º 3 do artigo 103.º da Lei Fundamental (cfr., entre outros, Acórdãos n. os 172/00, 604/05 e 63/06) – debruçou-se sobre o sentido polissémico que o conceito de irretroatividade da Lei Fiscal vinha merecendo na doutrina, na qual não existia, a este respeito, univocidade. Efetivamente, a doutrina distinguia três conceitos de retroatividade: máxima, intermédia e mínima (Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, Lisboa 1974, pp. 196 e seguintes; idem , «O problema da retroatividade das leis sobre imposto de renda», in Textos Selecionados de Direito Tributário , coord. de Sampaio Dória, São Paulo, 1983, pp. 77 e seguintes). A primeira, a retroatividade máxima (perfeita ou própria), verifica-se quando o facto se verificou por inteiro ao abrigo da lei antiga, tendo produzido todos os seus efeitos no âmbito dessa mesma lei. Na retroatividade intermédia (imperfeita ou imprópria), embora os factos se tenham produzido inteiramente ao abrigo da lei antiga, os seus efeitos continuam a produzir-se no domínio temporal da lei nova. Por último, na retroativi- dade mínima, o facto não se verifica por inteiro ao abrigo da lei antiga, mas prolonga a sua produção concreta no domínio temporal da lei nova – facto tributário continuado ou sucessivo. Como se salientou, no aresto deste Tribunal Constitucional n.º 310/12, «o Tribunal Constitucional tem vindo a seguir o entendimento que esta proibição da retroatividade, no domínio da lei fiscal, apenas se dirige à denominada retroatividade autêntica, abrangendo apenas os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, excluindo do seu âmbito aplicativo as situações de retrospetividade ou de retroatividade imprópria, ou seja, aquelas situações em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente, como sucede quando as normas fiscais que produziram um agravamento da posição fiscal dos contribuintes em relação a factos tri- butários que não ocorreram totalmente no domínio da lei antiga e continuam a formar-se, ainda no decurso do mesmo ano fiscal, na vigência da nova lei». Consequentemente, estabeleceu este Tribunal, que, «num caso em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga e um outro caso em que o facto tributário tenha ocorrido ao abrigo da lei antiga, mas os seus efeitos, designadamente os relativos à liquidação e pagamento, ainda não estejam totalmente esgotados não terão necessariamente o mesmo des- valor constitucional, uma vez que a primeira situação é do ponto de vista da eventual afetação da situação jurídica do contribuinte mais grave que a segunda. E estes dois casos diferenciam-se também de um terceiro em que o facto tributário que a lei nova pretende regular na sua totalidade não ocorreu totalmente ao abrigo da lei antiga, antes se continua formando na vigência da lei nova» (Acórdãos n. os 399/10 e 18/11). Neste trilho jurisprudencial, as situações de retroatividade inautêntica têm sido sindicadas à luz do parâmetro cons- titucional ínsito no princípio da proteção da confiança. De acordo com a definição de Gomes Canotilho – autor que não deixa de assinalar a dificuldade em apurar um conceito seguro de imposto retroativo – a retroatividade de normas jurídicas assume dois senti- dos distintos: retroatividade em sentido estrito, que «consiste basicamente numa ficção: decretar a validade e vigência de uma norma a partir de um marco temporal (data) anterior à data da sua entrada em vigor» e conexão retroativa quanto a efeitos jurídicos quando a lei «liga os efeitos jurídicos de uma norma a situações de facto existentes antes da sua entrada em vigor» ( Direito Constitucional e Teoria da Constituição , 7.º edição, Almedina, Coimbra, pp. 261 e 262). Diferentemente, prossegue o mesmo Autor, fala-se em retroatividade inautêntica quando uma norma jurídica incide sobre situações ou relações jurídicas já existentes embora a nova disciplina jurídica pretenda ter efeitos para o futuro. Ora, como acima se recordou, a jurisprudência constitucional tem afirmado que as situa- ções de retroatividade inautêntica não se encontram vedadas pelo n.º 3 do artigo 103.º da Lei Fundamental ( v. g. Acórdãos n. os 128/09, 85/10, 399/10 e 310/12, todos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) . Na resolução das dificuldades práticas decorrentes da delimitação dos contornos da retroatividade fiscal constitucionalmente vedada desempenham um papel fundamental a jurisprudência constitucional e a ciên- cia jurídico-fiscal. Deve notar-se que esta tarefa não deve ser puramente exegética ou conceitual, pois exige
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