TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

359 acórdão n.º 496/18 VII - A especificidade da figura da interpretação conforme à Constituição assenta na faculdade conferida ao Tribunal Constitucional de, ao julgar o recurso, proceder a uma interpretação da norma que dele é objeto diversa da que foi adotada pela decisão recorrida; nestas situações, o Tribunal Constitucional não aceita a interpretação normativa de direito infraconstitucional adotada pelo tribunal a quo como um dado; perante a existência de outro sentido interpretativo possível, e compatível com a Constitui- ção, o Tribunal Constitucional poderá adotá-lo, impondo-o ao tribunal a quo; foi justamente o que sucedeu no caso dos autos, em que, perante uma interpretação dos aludidos preceitos legais, desaplica- da pelo tribunal a quo com fundamento em inconstitucionalidade, se entendeu ser possível uma outra interpretação, que o Tribunal havia já julgado compatível com a Constituição no Acórdão n.º 187/18. VIII - Por ser possível uma interpretação normativa diversa e compatível com a Constituição (designada- mente, no sentido de os direitos precludidos em virtude da inobservância do prazo, serem apenas aqueles que são objeto da própria Lei n.º 62/2011, e não todos e quaisquer direitos relacionados com a patente concretamente considerada), é que, com fundamento na jurisprudência firmada no Acórdão n.º 187/18, se determinou, na decisão sumária reclamada, a aplicação de tal interpretação aos pre- sentes autos, nos termos do artigo 80.º, n.º 3, da LTC, interpretação essa que deverá ser adotada pelo tribunal a quo. IX - Quanto ao mérito da decisão sumária reclamada, a apreciação das específicas circunstâncias factuais invocadas pelas reclamantes e da sua relevância no que respeita à constituição e à caducidade do seu direito de ação, tendo em atenção o disposto no artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2011, compete ao tribunal a quo e não ao Tribunal Constitucional; por outro lado, a perspetiva das reclamantes segundo a qual a interpretação normativa ora em causa acarreta a “total aniquilação” do direito à tutela juris- dicional efetiva preventiva não é correta, porquanto, além de a mesma possibilitar um tal tipo de pro- teção, dentro do prazo de 30 dias estabelecido no artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2011, verificados os condicionalismos previstos nesse diploma legal, não é sequer afetado o direito geral de ação (incluindo a dedução de providências cautelares); assim, embora a prevenção e inibição da comercialização decor- rente de uma eventual concessão de autorização de introdução no mercado apenas seja possível no aludido prazo de trinta dias, tal não equivale à “ablação total” ou “aniquilação” do direito invocado pelas reclamantes. X - Quanto à apreciação de uma eventual violação do princípio da proporcionalidade por parte da inter- pretação normativa acolhida na decisão ora reclamada, está em causa saber se o aludido mecanismo comprime excessivamente a possibilidade de defesa jurisdicional do direito de propriedade industrial ameaçado pela intenção de comercialização de um medicamento genérico (iniciativa económica privada de um terceiro); nesse quadro, é certo que o direito à proteção da saúde, em especial na vertente do acesso universal a medicamentos a custos razoáveis, desempenha um papel muito relevante; a introdução dos medicamentos genéricos, em vista da criação de condições para o acesso de todos os cidadãos aos cui- dados de saúde, materializando o direito à saúde e ao acesso a medicamentos a custos comportáveis, só poderá ser levada a cabo através de medidas que garantam, de forma continuada, a melhor afetação dos recursos disponíveis; não sendo tais recursos inesgotáveis, a proteção do direito à saúde poderá implicar a adoção de medidas tendentes à racionalização dos custos, como mecanismo necessário ao cumprimento cabal de tal tarefa do Estado, não se esgotando nas finalidades apontadas pelas reclamantes. XI - No respeitante à apreciação dos diferentes testes em que se desdobra a análise do princípio da pro- porcionalidade, o Acórdão n.º 187/18 distinguiu três vetores argumentativos, aplicando a cada um

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