TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
371 acórdão n.º 496/18 O que significa então que o direito constitucionalmente protegido de patente se desvirtuou de tal forma que deixou de ser um direito exclusivo (que é o cerne do direito de patente) para passar a ser um direito semi-exclusivo. Despindo-se da sua veste de direito de exclusivo, o direito de patente foi desvirtuado na sua essência, tendo o seu conteúdo essencial sido totalmente eliminado. Ou seja: quer por uma via (a denegação da tutela jurisdicional efetiva preventiva), que por outra (do próprio direito de propriedade industrial, por força da impossibilidade de recurso a essa tutela preventiva), o que está num dos lados da balança é, sempre, a ablação de um direito fundamental dos titulares de direitos de propriedade industrial. Nestes termos, a Decisão Sumária é inconstitucional, por violação do artigo 18.º, n.º 3 da CRP. Ainda que se admitisse, a mero benefício de raciocínio e por absoluta cautela de patrocínio, que o direito à tutela jurisdicional efetiva preventiva da A. não teria sido eliminado, mas apenas restringido, vejamos agora por que motivos essa (congeminada) restrição é desproporcional. B. Da errada apreciação do juízo de proporcionalidade 23. É certo que os direitos, liberdades e garantias podem ser restringidos, como o admite o artigo 18.º, n.º 2 da CRP. Mas essa restrição só se justificaria pela salvaguarda que de um outro direito ou interesse constitucionalmente protegido. O Acórdão n.º 187/18 começa por identificar esse outro direito potencialmente conflituante como sendo o direito à livre iniciativa económica privada (no ponto 9 do Acórdão onde diz que o “O problema colocado nos pre- sente autos prende-se essencialmente com o acesso à composição do litígio entre o direito de propriedade industrial das recorrentes e o direito à livre iniciativa económica da recorrida, consubstanciada na pretensão de obtenção de autorização para introdução no mercado de medicamento genérico, através da arbitragem necessária instituída pela Lei n.º 62/2011, que se entende excessivamente comprimido pelo sentido normativo impugnado”). Mas a meio do seu percurso exegético, e sem qualquer explicação para uma tal mudança, o confronto passa a ser feito com o direito à saúde (no ponto 14, onde afirma que “ in casu , não se colocam dúvidas quanto à autoriza- ção constitucional nem quanto à sua justificação na salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido, porquanto o regime em causa se dirige a evitar uma morosa discussão sobre a eventualidade de direitos que impedissem a introdução dos medicamentos genéricos, colocando em cheque a criação de condições para o acesso de todos os cidadãos aos cuidados de saúde, materializando o direita à saúde e ao acesso da medicamentos a custos comportáveis (alínea a) do n.º 3 do artigo 64.º da Constituição)”. Sem prejuízo da conformidade desta ponderação inicialmente ímpar, mas depois bifurcada com os parâmetros constitucionais da avaliação requerida, vejamos porque nenhum desses outros direitos constitucionais suporta o juízo de proporcionalidade que este Tribunal levou a cabo. > O direito à saúde 24. Comecemos pelo segundo direito invocado. De acordo com o segundo momento do Acórdão n.º 187/18, o outro direito constitucionalmente protegido pela interpretação normativa em apreciação seria o direito à saúde (ponto 14). Mas salvo o devido respeito, o direito à saúde não está de todo aqui em discussão. O direito à saúde consagrado na Constituição [em particular, na vertente materializada no artigo 64.º, n.º 3, alínea a) , que foi a convocada pelo Acórdão n.º 187/18], só careceria de salvaguarda – justificando, portanto, a restrição de um outro direito – caso o efetivo acesso a medicamentos pelos cidadãos estivesse comprometido (por não existirem medicamentos disponíveis no mercado ou por não ser possível garantir esse acesso a certos cidadãos que não disporiam de condições económicas para os adquirir). 25. Nenhuma dessas situações se verifica no caso sob análise, pelo que o direito à saúde nunca poderia justifi- car a restrição/ablação imposta à A. e a qualquer outra titular de direitos de propriedade industrial em condições semelhantes.
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