TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

376 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL No caso dos autos, conforme se assinalou na decisão reclamada, é o próprio tribunal a quo que, no segmento decisório do despacho recorrido, refere expressamente que recusa a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, norma esta que o Ministério Público indicou como objeto do recurso por si interposto. Ou seja, no requerimento de inter- posição de recurso, o Ministério Público indicou a norma que o despacho recorrido expressamente recusou aplicar, com fundamento em inconstitucionalidade. No entanto, conforme salientado na decisão reclamada, «embora o tribunal a quo, no segmento decisó- rio do despacho recorrido, faça referência expressa à recusa de aplicação do citado preceito, n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, pela leitura da referida decisão, verifica-se que tal norma foi recusada numa determinada dimensão normativa, em conjugação com o artigo 2.º da referida Lei». Ou seja, embora o Ministério Público tenha indicado no requerimento de interposição a norma expressamente recusada, entendeu-se, face à fundamentação constante da decisão recorrida, que tal recusa se reportava a uma deter- minada dimensão normativa do artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, em conjugação com o artigo 2.º da referida Lei. Daí que, não se estando perante uma insuficiência do requerimento de interposição de recurso (no qual, repete-se, o Ministério Público indicou precisamente a norma cuja aplicação o tribunal a quo expressamente declarou recusar), e resultando da fundamentação da decisão recorrida, conforme exposto, em que termos ocorreu efetivamente a recusa de tal norma, entendeu-se não ser necessária a formulação de qualquer convite dirigido ao Ministério Público que, além de inútil, se revelava desnecessário e, como tal, proibido pelo artigo 130.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 69.º da LTC. Deste modo, não se justificando a prolação de despacho no sentido de convidar o Ministério Púbico a aperfeiçoar o seu requerimento de recurso, não foi omitido qualquer ato que devesse ter sido praticado, razão pela qual não ocorreu qualquer nulidade processual, designadamente a prevista no artigo 195.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 69.º da LTC. 9. Por outro lado, ao contrário do que sustentam as reclamantes, não existe também fundamento para não se conhecer do objeto do recurso interposto pelo Ministério Público, em virtude de a norma indicada como objeto do mesmo – o artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2011 – não coincidir com a que foi adotada pelo tribunal a quo como ratio decidendi do despacho recorrido. Como é sabido, no sistema português de fiscalização concreta da constitucionalidade, o acesso ao Tri- bunal Constitucional é garantido através da forma processual de um recurso de constitucionalidade, recurso este que, em alguns casos, é obrigatório para o Ministério Público, designadamente – como acontece nos presentes autos – no caso de decisões que desapliquem norma constante de ato legislativo com fundamento em inconstitucionalidade [cfr. os artigos 70.º, n.º 1, alínea a) , e 72.º, n.º 3, da LTC]. Podendo discutir-se a questão da existência de um maior pendor subjetivista ou objetivista do sistema português de fiscalização concreta (vide, a este respeito, Blanco de Morais, Justiça Constitucional, Tomo II, Coimbra Editora, 2005, pp. 568 e seguintes), é inquestionável que nos recursos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC assumem maior preponderância as caraterísticas de feição objetivista. Desde logo porque tais recursos, em determinados casos, são obrigatórios para o Ministério Público, ainda que este não seja parte no processo principal. A legitimidade do Ministério Público e a obrigatoriedade do recurso, nos casos em que – como acontece nestes autos – ocorreu a desaplicação de norma constante de ato legislativo, decorre da circunstância de lhe ser conferido pela Constituição e pela Lei do Tribunal Consti- tucional [cfr. artigo 280.º n.º 1, alínea a) , n.º 2, alínea a), e n.º 3, da CRP e artigo 70.º, n.º 1, alínea a) , 72.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, da LTC] o papel de institucional de garante da presunção da constitucionalidade e da legalidade das normas (cfr. Blanco de Morais, Justiça Constitucional , cit., pp. 643-644 e 683-684). Daí que, neste tipo de recursos, os requisitos de que depende o conhecimento do respetivo objeto sejam menos exigentes do que no caso dos recursos previstos nas alíneas b) e f ) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o que se repercute também nas exigências formais do requerimento de interposição de recurso (cfr. a

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