TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

382 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL designadamente, não lhe compete apreciar a validade das decisões judiciais no que se reporta a eventual violação de preceitos infraconstitucionais ou à eventual correção da interpretação e aplicação desses mesmos parâmetros. O Tribunal Constitucional limita-se a apreciar a validade de tais critérios normativos – devida- mente destacados da decisão concreta – face ao bloco de constitucionalidade relevante. Ou seja, a aprecia- ção das específicas circunstâncias factuais invocadas pelas reclamantes e da sua relevância no que respeita à constituição e à caducidade do seu direito de ação, tendo em atenção o disposto no artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2011, compete ao tribunal a quo e não ao Tribunal Constitucional. As mesmas circunstâncias, de resto, em nada interferiram na conformação do objeto do recurso de constitucionalidade ora em análise (cfr. supra o n.º 1 e o n.º 8 da Decisão Sumária n.º 284/18). E compreen- sivelmente, já que, conforme as próprias reclamantes parecem reconhecer, os «fatores perturbadores de uma límpida configuração jurídico-processual do litígio» resultarão, em seu entender, da «reduzida informação [a publicitar e que se encontra] listada pelo artigo 15.º-A, n.º 2, do Estatuto do Medicamento», aditado pelo artigo 5.º da Lei n.º 62/2011 (cfr. o n.º 17 da reclamação); e não do prazo de 30 dias para a instauração do processo de arbitragem estatuído no artigo 3.º, n.º 1, da mesma Lei, o qual está em causa nos presentes autos. De todo o modo, as dificuldades do exercício do direito de ação decorrentes ou associadas quer à insu- ficiência dos dados constantes da publicitação a que se refere o artigo 15.º-A, n.º 2, do Estatuto do Medica- mento, quer à complexidade da matéria específica da propriedade industrial relacionada com medicamentos, não deixaram de ser ponderadas no n.º 15 do Acórdão n.º 187/18, transcrito na decisão ora reclamada. E, sobre tais desenvolvimentos, a reclamação nada diz. Especificamente no que se refere à alegada “denegação da tutela preventiva”, além de a mesma não estar em causa devido à possibilidade de recurso aos meios judiciais comuns, nada do que as reclamantes alegam infirma a possibilidade de uma efetiva proteção ex ante do titular de direitos de propriedade industrial rela- tivamente face à possibilidade de uma ilegítima exploração comercial por terceiros do objeto de tais direi- tos, de acordo com o regime introduzido pela Lei n.º 62/2011, mesmo no contexto em que apenas tenha sido iniciado um procedimento administrativo de concessão de autorização de introdução no mercado de medicamentos genéricos (sobre a constitucionalidade do mecanismo de arbitragem necessária estabelecido por esta Lei, vide também o Acórdão n.º 2/13). Como bem se refere no Acórdão n.º 187/18, «[o] que está em causa no processo arbitral necessário é a invocação de direitos de propriedade industrial no quadro do procedimento autorizativo de introdução no mercado, enquanto obstáculo à exploração comercial do medi- camento sobre que incide a AIM requerida ou concedida. Não se trata, por isso, de averiguar a validade daquela patente, mas de fazer valer, de modo célere, um obstáculo jurídico à comercialização ou fabrico do medicamento genérico, previsivelmente antes da AIM ser concedida. […] Tal dissociação da autorização de introdução no mercado (que leva em conta fatores essencialmente técnicos, de que os medicamentos genéricos não estão dispensados) e da tutela da propriedade industrial, é, aliás, reconhecida pelo Regime Jurídico dos Medicamentos de Uso Humano (RJMUH), que expressamente estabelece no n.º 4 do artigo 14.º que “a concessão de uma autorização não prejudica a responsabilidade, civil ou criminal, do titular de autorização de introdução no mercado ou do fabricante”. Isto é, o regime de autorização de introdução do mercado não leva em conta, por via de regra, eventuais direitos de propriedade industrial de medicamentos de referência, embora não deixe de lhes reconhecer, em sede de arbitragem necessária, o poder de impedir o início da exploração comercial ou industrial, porquanto uma eventual AIM “não confere nem visa conferir aos particulares direitos que não tenham relativamente à comercialização de medicamentos, e, em especial, não os dispensa da sujeição aos exclusivos resultantes de patentes nem os iliba da responsabilidade, civil ou criminal, que o ordenamento jurídico determine como consequência da atuação lesiva de tais exclusivos” (Vieira de Andrade, A proteção… , cit., p. 80)» (n.º 8.3.). É neste contexto que se compreende a arbitragem necessária – mas não obrigatória – aqui em causa como um «mecanismo célere de invocação de um direito de propriedade industrial como obstáculo legal à comercialização do medicamento genérico antes da concessão ou registo da AIM e não como expediente da sua proteção judicial quando sejam ofendidos depois de auto- rizada a sua introdução no mercado» (vide, de novo, o Acórdão n.º 187/18, n.º 13.3.)

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