TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
383 acórdão n.º 496/18 Ou seja, a perspetiva das reclamantes segundo a qual a interpretação normativa ora em causa acarreta a “total aniquilação” do direito à tutela jurisdicional efetiva preventiva não é correta, porquanto, além de a mesma possibilitar um tal tipo de proteção, dentro do prazo de 30 dias estabelecido no artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2011, verificados os condicionalismos previstos nesse diploma legal, não é sequer afetado o direito geral de ação (incluindo a dedução de providências cautelares). Assim, embora a prevenção e inibição da comercialização decorrente de uma eventual concessão de autorização de introdução no mercado apenas seja possível no aludido prazo de trinta dias, tal não equivale à “ablação total” ou “aniquilação” do direito invocado pelas reclamantes. 16.2. Quanto à apreciação de uma eventual violação do princípio da proporcionalidade por parte da interpretação normativa acolhida na decisão ora reclamada – e que é idêntica àquela cuja inconstitucionali- dade foi apreciada no Acórdão n.º 187/18 –, as reclamantes não aduzem argumentos novos relativamente aos diferentes vetores já antes considerados por este Tribunal (cfr. os n. os 9 e seguintes do Acórdão n.º 187/18). Bem pelo contrário: limitam-se a uma crítica genérica que desconsidera os diferentes planos cuidadosamente autonomizados no Acórdão n.º 187/18. Desde logo, e como resulta do modo como as reclamantes colocam a questão de constitucionalidade relativamente à pretensa “denegação da tutela preventiva”, é patente que não partilham o entendimento sufragado pelo Tribunal quanto ao sentido e alcance do mecanismo da arbitragem necessária instituído pela Lei n.º 62/2011. Tal posição de partida vicia a restante abordagem que fazem a propósito do princípio da proporcionalidade, nomeadamente no que se refere ao direito restringido, à própria restrição e seu fim legí- timo e aos interesses constitucionais que a justificam. Como mencionado no Acórdão n.º 187/18, está em causa saber se o aludido mecanismo comprime excessivamente a possibilidade de defesa jurisdicional do direito de propriedade industrial ameaçado pela intenção de comercialização de um medicamento genérico (iniciativa económica privada de um terceiro, cfr. o respetivo n.º 9). Nesse quadro, é certo que o direito à proteção da saúde, em especial na vertente do acesso universal a medicamentos a custos razoáveis, desempenha um papel muito relevante. Isso mesmo resulta dos trabalhos preparatórios da Lei n.º 62/2011 (cfr. a Proposta de Lei n.º 13/XII e os n. os 8.1. e 8.2. do citado aresto). Com efeito, da análise realizada naquele Acórdão – e a que a decisão ora reclamada aderiu – resulta que, embora o regime previsto no artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2011, implique para o titular de direitos de propriedade industrial uma restrição ao direito de acesso à justiça, concretamente, ao exercício do direito de acionar, em arbitragem necessária, a respetiva tutela, «não se colocam dúvidas quanto à autorização constitucional nem quanto à sua justificação na salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido, porquanto o regime em causa se dirige a evitar uma morosa discussão sobre a eventualidade de direitos que impedissem a introdução dos medicamentos genéricos, colocando em cheque a criação de condições para o acesso de todos os cidadãos aos cuidados de saúde, materializando o direito à saúde e ao acesso da medica- mentos a custos comportáveis [alínea a) do n.º 3 do artigo 64.º da Constituição]». A discordância das reclamantes quanto a este aspeto assenta numa conceção particularmente restrita do direito à proteção na saúde, bem como na desconsideração do conteúdo das tarefas fundamentais do Estado destinadas a realizá-lo. Na verdade, a introdução dos medicamentos genéricos, em vista da criação de condições para o acesso de todos os cidadãos aos cuidados de saúde, materializando o direito à saúde e ao acesso a medicamentos a custos comportáveis, só poderá ser levada a cabo através de medidas que garantam, de forma continuada, a melhor afetação dos recursos disponíveis. Ora, não sendo tais recursos inesgotáveis, a proteção do direito à saúde poderá implicar a adoção de medidas tendentes à racionalização dos custos, como mecanismo necessário ao cumprimento cabal de tal tarefa do Estado, não se esgotando nas finalidades apontadas pelas reclamantes. Por outro lado, no respeitante à apreciação dos diferentes testes em que se desdobra a análise do prin- cípio da proporcionalidade, recorde-se que o Acórdão n.º 187/18 distinguiu três vetores argumentativos,
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