TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

396 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL pertencendo a reserva de lei. A questão poderia envolver também normas constantes do ato regulamentar, quer seriam inconstitucionais se fossem de julgar como pertencendo a reserva de lei, mas o objeto do recurso vem delimitado apenas pela norma constante do ato legislativo.  Nas alegações de recurso, a recorrente AT invoca ainda as regras de direito da União Europeia como parâmetro constitucional autónomo de sentido contrário à tese defendia pela decisão arbitral. No seu enten- der, a Portaria n.º 170/2002, ao excluir a atividade agrícola do seu âmbito de aplicação, dá cumprimento a atos jurídicos da UE, vinculativos para o Estado Português, pelo que a inclusão da atividade agrícola no âmbito objetivo da Portaria afigura-se contrária ao artigo 8.º da CRP, por violação do direito da UE, mais concretamente dos artigos 87.º e 88.º do Tratado da UE (cfr. artigos 54.º, 60.º e 61.º das alegações). Todavia, o Tribunal Constitucional rejeita, em regra, qualificar a incompatibilidade do direito interno com o direito da UE como uma questão de “inconstitucionalidade” que lhe caiba apreciar. Apesar do reco- nhecimento constitucional do primado do direito da UE – n.º 4 do artigo 8.º da CRP – a desconformidade de norma legislativa interna com as normas comunitárias, de direito originário ou derivado, não constitui um problema de constitucionalidade que se integre na esfera cognitiva deste Tribunal (Acórdãos n. os 326/98, 621/98, 164/01, 466/03, 598/04, 717/04 e 569/16). Apenas nas situações expressamente previstas nos arti- gos 70.º, n.º 1, alínea i), e 71.º, n.º 2, da LTC, o Tribunal Constitucional tem competência para fiscalizar a compatibilidade do direito interno com o direito da UE (Acórdão n.º 371/91). Isso não obsta que, em certas circunstâncias, o juízo de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma norma possa estar condicionado pela questão prévia de saber se o sentido de tal norma é, ou não, predeterminado por uma exigência do Direito da União. Face ao disposto nos artigos 7.º, n.º 5, e 8.º, n.º 4, da CRP, pode bem suceder que o legislador português se encontre, em certo domínio, vinculado por imposi- ções decorrentes do Direito da União; e que, assim sendo, saber ao certo se tais vinculações existem – qual o seu preciso sentido; qual a dimensão exata das suas exigências – pode configurar-se como uma questão que, logicamente, deve ser resolvida antes que se resolva a questão de constitucionalidade. Não é, porém, esse o caso, como já se verá. 6. Comecemos por analisar a alegada violação do artigo 112.º, n.º 5, da Constituição, pelo reenvio normativo integrante do n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março. Argumenta a decisão arbitral recorrida que o conteúdo dessa norma permite que um regulamento – Por- taria n.º 170/2002 – derrogue o conteúdo de ato legislativo, na medida em que a alínea a) do artigo 2.º da portaria prevê a exclusão da atividade agrícola do âmbito dos incentivos fiscais mencionados no artigo 43.º do EBF. Assim, a portaria teria permissão, concedida por ato legislativo, para revogar parte do conteúdo da norma do n.º 1 do artigo 43.º do EBF, que inclui a atividade agrícola no âmbito de incidência dos benefícios fiscais à interioridade, violando assim o n.º 5 do artigo 112.º da CRP. Não decorre, todavia, do texto da norma sub judice que o seu efeito seja o de conferir à portaria a pos- sibilidade de derrogar ou alterar, ainda que parcialmente, a norma contida no diploma legal. A norma não “delega”, nem “autoriza” ou habilita a Administração a criar por regulamento uma disciplina jurídica derro- gatória, modificativa ou revogatória dessa ou de outra lei, provocando um rebaixamento ou uma degradação do grau hierárquico, expressamente proibido pelo n.º 5 do artigo 112.º da CRP. O sentido da remissão operada pela norma impugnada é o de manter transitoriamente em vigor um regulamento que foi editado ao abrigo de uma lei habilitante já revogada. Com efeito, o Decreto-Lei n.º 310/2001, de 10 de dezembro, ao abrigo do qual foi editada a Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro (artigo 6.º), foi revogado e substituído pelo Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março. Este diploma, não só habilita o regulamento a emitir disciplina normativa sobre o mesmo espaço material de regulação da Portaria, reproduzindo ipsis verbis a lei habilitante revogada (n.º 1 do artigo 8.º), como, através da norma impugnada, mantém em vigor a Portaria, enquanto não houver regulamentação da nova lei (n.º 2 do artigo 8.º).

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