TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

397 acórdão n.º 519/18 A manutenção em vigor de regulamento emitido ao abrigo de lei habilitante revogada não o eleva à fun- ção e força de lei, pois tal é expressamente proibido pelo princípio da tipicidade das leis (artigo 112.º, n.º 5, da CRP). Apenas se verifica uma simples remissão normativa em que a lei admite que uma fonte jurídica hie- rarquicamente inferior se assuma como um seu complemento enquanto não houver nova regulamentação. A lei remete para um regulamento já existente a determinação de certos elementos normativos que comple- mentam a ordenação que a própria lei reenviante estabelece. Não se trata, pois, de um reenvio normativo em que a lei, mantendo-se em vigor, autoriza a sua modificação ou revogação por ato hierarquicamente inferior, mas apenas de autolimitação da norma remitente, que renuncia a regular a totalidade da matéria e chama outra para concluir ou completar transitoriamente essa regulação. Não obstante a inserção sistemática internormativa que se dá entre as regras materiais da lei de remissão e o regulamento, não se verifica integração da norma reenviada na norma reenviante. O reenvio para o regu- lamento tem natureza meramente formal. Como refere Gomes Canotilho, «a norma regulamentar executora ou complementar continua a ser uma norma separada e qualitativamente diferente da norma legal, pois a norma legal reenviante não incorpora o conteúdo regulamentar nem lhe pode atribuir força legal» (cfr. Direito Constitucional e Teoria da Constituição , 5.ª edição, p. 836). Ora, no âmbito da proibição estabelecida no n.º 5 do artigo 112.º da CRP não se incluem as remissões normativas que consistem no facto de a lei remeter para normas regulamentares executivas ou complementa- res da disciplina por ela estabelecida. A proibição constitucional compreende apenas os reenvios normativos que se traduzem nos chamados «regulamentos delegados» ou «autorizados» (proibição dos regulamentos modificativos, suspensivos ou revogatórios das leis). Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira em anotação àquele artigo, «o n.º 5 também não proíbe os chamados reenvios normativos (ou remissões norma- tivas), designadamente nos casos em que a lei remete para a administração a edição de normas regulamenta- res executivas ou complementares da disciplina por ela estabelecida. Através desta remissão normativa a lei prossegue dois objetivos: a) autorização ou habilitação da administração para editar regulamentos (função habilitante); b) execução ou complementação material da normação legal (função normativa)» (cfr. Consti­ tuição da República Anotada . Vol. II, 4.ª edição, p. 70). O n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março, opera um reenvio normativo para normas regulamentares já existentes. Por via da remissão subsiste um regulamento já editado – Portaria n.º 170/2002 – cumprindo-se a função de execução e complementação material da nova legislação. A subsis- tência da Portaria nesses termos não constitui sequer novidade, quer porque corresponde ao regime geral da caducidade (ou revogação tácita) dos regulamentos em consequência da revogação da lei habilitante (artigos 145.º, n.º 2, e 146.º, n. os 2 e 3, do Código do Procedimento Administrativo – CPA), quer porque a LOE de 2007, ao revogar a Lei n.º 171/99, de 18 de setembro e integrar os benefícios fiscais à interioridade no EBF, manteve-a transitoriamente em vigor [alínea l) do artigo 88.º]. O objetivo da lei da Assembleia da República e do decreto-lei que estabeleceu as normas regulamentares necessárias à execução do artigo 39.º-B do EBF (atual artigo 43.º) foi o mesmo: evitar um vazio normativo no sistema jurídico, suscetível de entravar a apli- cação da nova legislação relativa aos incentivos fiscais à interioridade. Porém, a remissão de lei para regulamento está também sujeita aos limites constitucionais da reserva de lei, não podendo a lei demitir-se da regulação do «núcleo essencial» das matérias e da fixação de critérios disciplinadores básicos. A proibição constitucional emergente do n.º 5 do artigo 112.º da CRP conduz necessariamente ao estabelecimento de limites à lei reenviante, para que a mesma não contribua para a criação de regulamentos com força ou valor de lei. Por isso, a própria lei reenviante está sujeita aos limites constitucionais da reserva de lei (artigos 164.º e 165.º da CRP), não podendo deixar de esgotar toda a regu- lamentação «primária» das matérias reservadas. Assim, no espaço constitucionalmente reservado à lei, cuja normação originária compete à Assembleia da República, estão vedadas remissões normativas que confiram à Administração o poder de emitir um regime jurídico inovador incidente sobre matérias reservadas.

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