TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

398 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Tratando-se de remissão para regulamento emanado ao abrigo de legislação revogada, a observância do limite intransponível da reserva de lei tem por referência o conteúdo regulamentar. A subsistência das nor- mas regulamentares, quando a revogação da lei habilitante foi acompanhada da respetiva substituição por lei nova, depende da sua compatibilidade com o novo conteúdo legal substitutivo. Mas a sobrevivência do regulamento por vontade expressa do legislador, ainda que não se harmonize integralmente com a lei nova, não pode consentir na invasão de matérias legais por regulamento. Uma remissão normativa que permita tal resultado será inconstitucional, por ofensiva do princípio da reserva de lei. O problema confunde-se já com a segunda questão de constitucionalidade, respeitante aos limites constitucionais dos poderes de normação regulamentar executiva ou complementar da administração. 7. A questão que neste domínio se coloca consiste em saber se o Governo, através da norma do n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março, invadiu a reserva de competência legislativa da Assembleia da República, restringindo o âmbito de abrangência de um benefício fiscal criado por este último órgão, a pretexto de apenas proceder à sua regulamentação, criando as condições normativas necessárias à sua boa execução. A decisão recorrida recusou a aplicação desse preceito, interpretado no sentido de remeter para todas as regras da Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro, nomeadamente para aquelas que se reportam à exclusão de certas atividades económicas do âmbito dos benefícios fiscais à interioridade, por violação do princípio da legalidade fiscal, consagrado nos artigos 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n.º 2, da CRP. A exigência constitucional de os impostos serem criados e disciplinados nos seus elementos essenciais por lei parlamentar, desdobra-se em dois subprincípios: (i) reserva de lei formal, que implica a intervenção do parlamento, ainda que este se limite a autorizar o governo a disciplinar determinada matéria fiscal [artigo 165.º, n.º 1, alínea i) , da CRP]; (ii) reserva material de lei, que exige que a lei defina, relativamente a cada imposto, a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (artigo 103.º, n.º 2, da CRP). Ora, a questão colocada nos autos reconduz-se ao confronto com o princípio da reserva de lei fiscal em sentido formal, decorrente do artigo 165.º, n.º 1, alínea i) , da Constituição – exigência da intervenção da Assembleia da República, seja diretamente, seja através de uma autorização legislativa na produção norma- tiva atinente às matérias abrangidas pela reserva. Com efeito, o que se questiona é a incidência da intervenção legislativa do Governo materializada na remissão normativa constante do n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março, sem autorização legislativa da Assembleia da República. É hoje pacífica a interpretação de que a reserva de lei formal abrange quer as matérias referidas na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º (criação de impostos, sistema fiscal e regime geral de taxas e demais contribuições financeiras das entidades públicas), quer as matérias contempladas no n.º 2 do artigo 103.º da CRP (incidên- cia, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes). Trata-se de garantir que a criação de impostos, bem como a definição dos seus elementos essenciais sejam definidos pelo órgão legislativo por excelência que é a assembleia representativa (Acórdãos n. os 274/86 e 680/14). Assim, os benefícios fiscais constituem um domí- nio cuja normação originária também compete à Assembleia da República, ficando vedadas remissões nor- mativas que confiram à Administração o poder de emitir um regime jurídico inovador na sua integralidade. Assente que os benefícios fiscais à interioridade e o seu âmbito de incidência objetivo e subjetivo inte- gram matéria de reserva de competência da Assembleia da República, será que a remissão constante do n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março, constituiu uma intromissão constitucionalmente ilegítima do Governo no domínio da competência reservada da Assembleia da República? A resposta a essa pergunta já foi dada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 294/18, nos seguin- tes termos: «Como o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, uma norma emitida sem autorização parla- mentar – o que abrange, em abstrato, as situações em que a lei habilitante simplesmente inexiste e os casos em que

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