TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
403 acórdão n.º 521/18 «Alegam também os arguidos/recorrentes (…), que para os condenarem em face dos factos provados impugna- dos, o coletivo de julgamento não observou o princípio in dubio pro reo , como corolário da presunção de inocência. Como decorrência natural da observância desse princípio, devia o tribunal a quo , na opinião desses recorrentes, considerar determinados como não provados face às pertinentes dúvidas suscitadas. Alegam ainda, alguns deles, que o disposto no Art.º 125.º do Código Penal, na interpretação que é realizada pelo tribunal a quo, viola o dis- posto nos n. os 2 e 5 do Art.º 32.º da CRPortuguesa. Também aqui estes recorrentes não têm razão. O princípio da presunção de inocência, na verdade, é um dos princípios fundamentais em que se sustenta o processo penal num Estado de direito. Assumido como uma dos princípios estruturantes no âmbito da prova, nomeadamente no domínio da questão de facto, o princípio in dubio pro reo além de ser uma garantia subjetiva «é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa» (Vital Moreira e Gomes Canotilho, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª edição revista, 2007, Coimbra: Coimbra Editora, pp. 518-519). O que está em causa neste princípio é, na persistência de uma dúvida razoável após a produção de prova em relação a factos imputados a um suspeito, um comando dirigido ao tribunal para «atuar em sentido favorável ao arguido» (cfr. Figueiredo(...), Direito Processual Penal, 1981, pp. 215). No caso concreto, tal como acima ficou explicitado em diversos pontos, não se suscitou ao tribunal qualquer dúvida razoável sobre os factos que considerou como provados. Ou seja, no caso, não se verifica – nem isso decorre da fundamentação de facto que sustenta a prova efetuada – qualquer ausência de certeza do tribunal sobre a fac- tualidade que foi imputada aos arguidos. Nem se suscita com evidência qualquer dúvida probatória sobre os factos e a fundamentação realizada pelo tribunal a quo. Resulta inequívoco da fundamentação do tribunal da condenação quais as provas em que sustentou a sua deci- são e que tipo de valoração efetuou sobre a prova em causa que levou à conclusão de que os arguidos praticaram os factos em causa, tal como acima se deixou suficientemente relatado. Esse tribunal em momento alguma faz transparecer qualquer dúvida no processo de decisão. Valorou o que entendeu valorar quanto à prova produzida, justificou a sua opção e concluiu em conformidade. A utilização de presunções naturais ou judiciais, em articula- ção com o princípio da livre apreciação da prova, a que o acórdão recorrido fez recurso, não colide com este outro princípio da presunção de inocência dos arguidos, nos moldes que resultam da sua fundamentação. Tais presunções judiciais, tal como se deixou defendido no ponto iii. deste aresto, basearam-se em factos estabelecidos por prova direta, fundamentalmente de natureza documental; factos esses dos quais decorrem necessária e logicamente as conclusões extraídas pelo tribunal recorrido. Certo que em processo penal não basta que a hipótese colocada pela acusação seja provável ou mesmo a mais provável, pois o princípio da culpa e da presunção da inocência exigem que o tribunal de julgamento decida para além de toda dúvida razoável com base em meios de prova efetivamente produzidos (ainda que indiretamente, ou seja, versando sobre factos indiciários ou indiretos), sendo certo que os arguidos têm direito a não colaborar na descoberta da verdade e, portanto, na sua incriminação, cabendo ao tribunal assegurar que a sua decisão sobre a factualidade assenta na certeza processualmente possível e, assim, exigível, escorada em prova efetivamente produ- zida – assim, o já acima mencionado Ac. da RE de 19/2/2013, processo n.º 425/09.6GEPTM.E1 (…). Confronte- -se, também, sobre a prova indireta, o referido Ac. do STJ de 12/3/2009, processo n.º 09P0395 (…). Mas, ao contrário que defendem os recorrentes nas suas diversas conclusões, é perfeitamente legítimo, em pro- cesso penal, o recurso a presunções simples ou naturais, visto que são admissíveis em processo penal as provas que não forem proibidas por lei (Art.º 125.º do CPPenal) e mesmo o Art.º 349.º do Código Civil (CC) prescreve que as presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido, sendo admitidas as presunções judiciais nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (Art.º 351.º do mesmo CC). O mencionado princípio da livre apreciação da prova (cfr. Art.º 127.º do CPPenal), conjugado com o dever de fundamentação das decisões dos tribunais, exige uma apreciação motivada, crítica e racional, fundada nos critérios legais de apreciação vinculada, enfim, nas regras da experiência, da ciência e da lógica. Devendo ser objetivada e motivada, únicas características que lhe permitem impor-se a terceiros.
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