TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

404 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Por outro lado, a certeza judicial não se confunde com a certeza absoluta, física ou matemática, sendo antes uma certeza empírica, moral, histórica. O princípio in dubio pro reo constitui um princípio de direito relativo à apreciação da prova/decisão da matéria de facto, estando umbilicalmente ligado, limitando-o, ao princípio da livre apreciação – a livre apreciação exige a convicção para lá da dúvida razoável; e o princípio in dubio pro reo impede (limita) a formação da convicção em caso de dúvida razoável. A dúvida razoável, que determina a impossibilidade de convicção do tribunal sobre a realidade de um facto, distingue-se da dúvida ligeira, meramente possível, hipotética. Só a dúvida séria se impõe à íntima convicção. Esta deve ser, pois, argumentada, coerente, razoável. De onde que o tribunal de recurso “só poderá censurar o uso feito desse princípio ( in dubio ) se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida e que, face a esse estado escolheu a tese desfavorável ao arguido – cfr. acórdão do STJ de 2/5/1996, CJ/STJ, tomo II/96, pp. 177. Ou quando, após a análise crítica, motivada e exaustiva de todos os meios de prova validamente produzidos e a sua valoração em conformidade com os critérios legais, é de concluir que subsistem duas ou mais perspetivas probatórias igualmente verosímeis e razoáveis, havendo então que decidir por aquela que favorece o réu. Tal como já se defendeu, no ponto iii desta fundamentação, a apreciação da prova indireta exige um particular cuidado na sua apreciação, apenas se podendo extrair o facto probando do facto indiciário quando tal seja corroborado por outros elementos de prova, de modo a que sejam afastadas outras hipó- teses igualmente possíveis – cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 3.ª ed., II vol., p. 100/101. E, conforme se escreveu no Ac. do STJ de 10/1/2008, “são admissíveis [em processo penal] as provas que não forem proibidas por lei» (art. 125.º do CPP), nelas incluídas as presunções judiciais (ou seja, «as ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido»: art. 349.º do CC). Daí que a circunstância de a presunção judicial não constituir «prova direta» não contrarie o princípio da livre apreciação da prova, que permite ao julgador apreciar a «prova» (qualquer que ela seja, desde que não proibida por lei) segundo as regras da experiên- cia e a livre convicção do tribunal (Art.º 127.º do CPPenal). Não estaria por isso vedado às instâncias, ante factos conhecidos, a extração – por presunção judicial – de ilações capazes de «firmar um facto desconhecido”. Este tem sido também o entendimento da jurisprudência constitucional, mais recentemente reafirmado pelo Acór- dão do Tribunal Constitucional n.º 391/15 de 12 de agosto, publicado no Diário da República , II Série ,de 16 de novembro de 2015 (…). O mesmo Tribunal Constitucional, ao debruçar-se sobre problemas de constitucionalidade de normas que estabelecem presunções legais emmatéria penal, concluiu pela sua admissibilidade, desde que seja conferida ao arguido a possibilidade de abalar os fundamentos em que a presunção se sustenta e que baste para tal a contraprova dos factos presumidos, não se exigindo a prova do contrário. Para além do Acórdão n.º 391/15 de 12 de agosto acima citado, pode também referir-se o caso do Acórdão n.º 38/86 (acessível em www.tribunalconstitucional.pt ) , que decidiu não julgar inconstitucionais as normas dos Art. os 169.º, § 1.º, e 557.º do Código de Processo Penal (de 1929) e as do Art.º 2.º, n.º 2 e seu § único, do Decreto-Lei n.º 35 007, de 13 de outubro de 1948, que se referiam à “fé em juízo” do auto de notícia em processo sumário. Também o Acórdão n.º 448/87 (acessível em www.tribunalconstitucional.pt ) , entre outros, no mesmo sentido, sobre a mesma questão, que decidiu não julgar inconstitucional a norma do Art.º 26.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 85-C/75, de 26 de fevereiro (Lei de Imprensa), na medida em que determinava que, no caso de escritos ou imagens não assinados, publicados na imprensa periódica e consubstanciando um crime de abuso de liberdade de imprensa, fosse havido como autor do escrito ou imagem o respetivo diretor, o que o responsabilizava como autor do crime, a não ser que provasse que não conhecia o dito escrito ou imagem ou lhe não tivesse sido possível impedir a respetiva publicação. Considerou o tribunal que não se mostrava violado o princípio da presunção de inocência, referindo, na fundamentação, o seguinte: “Na verdade, pode dizer-se que a dimensão deste princípio suscetível de estar em causa na hipótese – tratando-se nela, como se trata, da presunção de um puro facto – seria, não a que proíbe o estabelecimento de presunções de “culpabilidade” (não é, com efeito, a culpa do agente que aí se presume), mas antes a que respeita ao tema da prova em processo penal e se exprime [...] na regra segundo a qual uma situação de non liquet na questão de facto deverá ser valorada e resolvida em favor do réu. Ora, o que sucede é que, sendo a presunção

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