TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

406 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL estrutura acusatória do direito processual penal ínsita no nosso ordenamento jurídico, conforme dispõem os números 2 e 5 do artigo 32.º da CRP; B. O princípio da presunção de inocência do Arguido consagrado no disposto no n.º 2 do artigo 32.º da CRP encontra-se intimamente ligado com a conceção democrática que influi o espírito do nosso sistema proces- sual, precisamente porque um Estado de direito democrático que se intitula como tal e não como um Estado de Polícia, prefere absolver um eventual culpado do que condenar um presumível inocente: C. Uma vez ultrapassada a memória histórica do processo inquisitorial, todos se devem presumir inocentes para efeitos penais até que seja produzida prova certa e segura em contrário, para além de qualquer dúvida razoável; D. A prova por presunções judiciais e métodos indiciários apenas encontra consagração legal no código civil e não no código penal ou de processo penal, na medida em que a mesma constitui uma prova extremamente perigosa, privilegia a prevalência de uma inadmissível máxima in dubio pro culpa , ao invés da prevalência do princípio garantístico in dubio pro reo ; E. Condenar um Arguido pela prática de um crime a alguém com base em presunções e métodos indiciários, não é o mesmo que condenar um indivíduo em sede de direito civil, na medida em que a condenação em direito penal tem efeitos muito mais gravosos na vida dos indivíduos do que a condenação em direito civil, nomeadamente no que concerne à coartação de direitos fundamentais, como a privação da liberdade; F. Cabe à acusação demonstrar e provar os factos que imputa aos Arguidos e não o contrário; G. Se o legislador quisesse que o julgador condenasse os Arguidos com base em indícios, à semelhança do que sucede na acusação ou na pronúncia, teria dito expressamente que, também em sede de julgamento, se pode- ria condenar um Arguido com base em fortes indícios da prática de um crime, mas a lei exige prova e não apenas indícios, nem mesmo indícios fortes, e isto tem de significar prova “para além de qualquer dúvida razoável”; H. Devem distinguir-se pelo menos três graus crescentes de exigência probatória: 1) a existência de indícios suficientes ou bastantes: 2) a existência de indícios fortes e 3) a prova para além de qualquer dúvida razoável: I. A prova com base em indícios suficientes ou com base em indícios fortes e presunções judiciais pode ser designada como prova indiciária, mas não é prova, nem tampouco faz prova, para além de qualquer dúvida razoável; J. Só a prova para além de qualquer dúvida razoável pode fundamentar uma sentença condenatória em processo penal, é isto o que exige o princípio da presunção de inocência ínsito no disposto no artigo 32.º da CRP; K. A prova indiciária ou por meras presunções não é uma prova para além de qual quer dúvida razoável, logo não é suficiente para permitir superar a força normativa do princípio da presunção de inocência; L. A legislação processual penal não faz qualquer referência à admissibilidade da prova indiciária em sede de julgamento, precisamente porque tal violaria o princípio da presunção de inocência. M. Permitir-se a condenação de Arguidos em sede de julgamento com base em prova indiciária, indireto e ape- nas por presunções judiciais é o mesmo que permitir a condenação de Arguidos por factos desconhecidos, precisamente porque nos termos do disposto no artigo 349.º do Código Civil as presunções correspondem às ilações que a lei ou o julgador tiram de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido; N. O princípio da presunção de inocência do Arguido consagrado no disposto no n.º 2 do artigo 32.º da CRP, conjugado com a imposição constitucional da estrutura acusatória do processo penal ínsita no disposto no n.º 5 do artigo 32.º da CRP impõem que só através de prova direta, cabal e inequívoca produzida por parte da entidade acusadora se encontra o tribunal legitimado a produzir sentença condenatória, precisamente por- que não incumbe ao Arguido a demonstração da sua própria inocência, exigindo, pelo contrário, a estrutura acusatória do processo penal que a demonstração dos factos constantes da acusação seja feita por parte da entidade acusadora, podendo inclusivamente o Arguido assumir uma posição passiva ou quase de abstenção probatória; O. Permitir-se a condenação de Arguidos com base em prova indiciária, indireta, e por presunções judiciais é o mesmo que abrir portas à desresponsabilização das funções do Ministério Público e em consequência do Tribunal, decorrentes da estrutura acusatória existente no processo penal vigente, passando assim qualquer

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