TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
407 acórdão n.º 521/18 Arguido, em face da existência de indícios que não constituem prova direta, a assumir as funções da acusação, em clara subversão do funciona mento do próprio Estado de direito democrático, no que concerne nomea- damente à própria divisão de poderes; P. A admissibilidade da prova indiciária, indireta, e por presunções judiciais terá certamente por corolário a permissão de investigações pouco rigorosas e pouco aprofundadas, feitas muitas vezes à secretária, como se viu ter sucedido in casu , dado que, a existirem indícios ou fortes indícios, pressupõe-se sem mais que o Arguido é culpado, não sendo assim necessário demonstrar a culpa efetiva do mesmo, repita-se, ao arrepio do princípio da presunção de inocência, da inversão do ónus da prova e do princípio da culpa; Q. A prova indiciária é uma prova de probabilidades, pelo que a sua admissão em sede de direito processual penal potencia a existência de julgamentos de matéria de facto de uma forma arbitrária, puramente subjetiva e emocional, permitindo-se a existência de verdadeiros julgamentos de opiniões e não de factos concretos; R. Ao constituir uma prova de probabilidades, demasiado falível facilmente se conclui que a mesma se caracte- riza como uma prova potenciadora de erros judiciários e, por isso, insuficiente no julgamento em processo penal – uma prova de tal modo falível que, no caso em apreço, fundamentou a condenação de inocentes; S. Não obstante a descoberta da verdade material consubstanciar uma das finalidades perfilhadas pelo nosso direito processual penal, certo é que os meios para a sua suposta obtenção não podem ser admitidos a todo o custo, antes se exigindo o cabal respeito pelos direitos fundamentais dos indivíduos, correspondendo a proteção destes direitos outra finalidade sufragada pelo direito processual penal; T. São, efetivamente, estas regras do Estado de direito democrático, que se harmonizam com os direitos funda- mentais dos indivíduos e que impõem que a decisão final seja proferida de um modo processualmente válido e admissível, que, sendo condenatória, não pode de forma alguma ser decretada arbitrariamente ou dominada pelas impressões ou convicções subjetivas e emocionais, antes impondo um juízo de certeza e não de mera probabilidade; U. Se por um lado é compreensível que a justiça queira demonstrar aos cidadãos que funciona, especialmente em casos de especial e de elevada complexidade e acervo documental como o presente – o que para a opinião pública apenas é possível através da prolação de decisões condenatórias – tal demonstração não deveria ser feita a qualquer custo, muito menos à custa da coartação dos direitos fundamentais dos cidadãos e bem assim do princípio da presunção de inocência, da estrutura acusatória do direito processual penal e da inversão do princípio do ónus da prova; V. O douto Acórdão n.º 391/15 do Tribunal Constitucional, que admite o recurso à prova indiciária e por pre- sunções judiciais em processo penal em sede de inquérito e de instrução, e que certamente terá sido lavrado por se partir do pressuposto de que os Tribunais apenas o iriam aplicar às aludidas fases processuais, encontra- -se, porém, a constituir fundamento para a condenação de Arguidos na fase de julgamento com recurso apenas a prova indiciária e por presunções judiciais; W. O recurso à prova por presunções judiciais em direito penal e processo penal está a tornar-se numa regra na condenação de Arguidos, onde os Tribunais, socorrendo-se do princípio da livre apreciação da prova, deci- dem atribuir apenas credibilidade aos indícios constantes da instrução e do processo, desvalorizando toda a contraprova carreada aos autos por parte dos Arguidos, os quais segundo a estrutura acusatória do processo penal não teriam que demonstrar a sua inocência, cabendo à acusação a demonstração da sua culpabilidade; X. Tem sido manifesto, mas inglório, o esforço probatório dos Arguidos no sentido de demonstrarem a sua inocência, cujos documentos ou depoimentos de testemunhas por si arroladas não são considerados, em detrimento de disposições e indícios constantes de relatórios de inspeção tribuária que não passam de meras presunções da inspeção tributária, sufragadas à luz das normas tributárias; Y. Veja-se o regime jurídico da liquidação tributária por métodos indiretos, que se caracteriza por um conjunto de normas anti abuso e por consequentes presunções e inversões do ónus da prova, criadas apenas com o intuito de aumentar a receita fiscal, em clara presunção pro fisco e in dubio pro culpa do contribuinte;
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=