TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

409 acórdão n.º 521/18 em meros indícios, dispensando o tribunal de fundar um juízo condenatório em prova certa e segura, isto é, que dissipe qualquer dúvida razoável sobre a veracidade dos factos probandos. Nessa medida, o recurso a presunções judiciais e a prova indiciária viola – assim entendem − o princípio do in dubio pro reo , pois ao desonerar o Estado de provar, para além da dúvida razoável, a culpabilidade do arguido, transfere para este o ónus de demonstrar a sua inocência. A partir desta última asserção, os recorrentes imputam também à norma sindicada a violação da impo- sição constitucional da estrutura acusatória do processo penal, consagrada no n.º 5 do artigo 32.º da Consti- tuição, na medida em que a mesma dispensa a entidade acusadora de fazer, perante o tribunal de julgamento, a prova cabal da culpabilidade do arguido, com isso subvertendo a repartição de funções e a distribuição do ónus no âmbito do processo penal. 7. Deve sublinhar-se que, no enunciado da norma objeto do recurso, os termos «prova indiciária» e «prova por presunções judiciais» são sinónimos. Está em causa, em ambos os casos, o recurso pelo tribunal de julgamento à chamada prova indireta, ou seja, a processos inferenciais de descoberta de factos, baseados em regras da lógica e da experiência, através dos quais o julgador estabelece um facto desconhecido ( factum probandum ) a partir de um facto conhecido ( factum probans ). É paradigmática, a este respeito, a presunção judicial. A prova indireta contrapõe-se à prova direta, aquela que incide sobre o facto probando, abrangendo os casos em que o enunciado do facto probatório coincide com o do facto probando. O paradigma é a prova testemunhal. Não está aqui em causa a questão do estalão ( standard ) da prova em processo penal, o mesmo é dizer, o limiar mínimo de certeza quanto ao facto probando para que este deva ser dado como provado − e, assim, tomado por verdadeiro − pelo tribunal de julgamento. É pacífico que esse estalão corresponde a uma convicção para além de toda a dúvida razoável, sendo por isso incompatível com a afirmação de meros indícios ou com a subsistência de qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões válidas. Assim é por imposição do princípio da presunção de inocência, senão também como decorrência do princípio da culpa – nullum crimen sine culpa –, enquanto fundamento axiológico e limite absoluto da punição criminal (Acórdão n.º 56/16). É nesta linha que se inscreve o critério adotado na decisão recorrida, que não acolheu qualquer leitura do artigo 125.º – ou do artigo 127.º – do Código de Processo Penal, nos termos da qual a possibilidade de dar como provados factos que integram o juízo de culpa do arguido se pode bastar com a existência de sim- ples indícios, ainda que fortes, dispensado a necessidade de convicção para além de dúvida razoável. A questão que se coloca no presente recurso não é, pois, a de saber se é constitucionalmente admis- sível uma condenação penal assente num estalão probatório menos exigente do que a prova concludente, nomeadamente a simples preponderância da prova no sentido da culpa do arguido. É antes a da admissibili- dade constitucional do recurso, pelo tribunal de julgamento, a presunções judiciais e outros meios de prova indireta, desde que idóneos a contribuir para a formação de um juízo de culpa para além de toda a dúvida razoável. Aliás, é precisamente esse o sentido da recondução da norma sindicada ao artigo 125.º do Código de Processo Penal, que respeita à admissibilidade das provas e não ao regime da valoração da prova. 8. Delimitada a questão de constitucionalidade, cabe agora apreciá-la. Embora a propósito de norma extraída do artigo 127.º do Código de Processo Penal, este Tribunal teve já a oportunidade de se debruçar sobre a matéria deste recurso. Fê-lo no Acórdão n.º 391/15, cuja argumen- tação interessa reproduzir: «2.3. Da interpretação do artigo 127.º do Código de Processo Penal O recorrente questiona a constitucionalidade da norma constante do artigo 127.º do Código de Processo Penal, na interpretação de que a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julga- dor permite o recurso a presunções judiciais em processo penal.

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