TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
410 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Alega que esta interpretação é incompatível com a presunção de inocência, consagrada no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, e com o dever de fundamentar as decisões judiciais imposto no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição. Na apreciação desta questão, não se pode ter em atenção os argumentos invocados pelo recorrente relativa- mente ao modo como, em concreto, foi efetuada pela decisão recorrida a apreciação da prova no que respeita à avaliação da existência dos indícios a que se refere o artigo 202.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, uma vez que esse plano extravasa as competências do Tribunal Constitucional. Ou seja, este Tribunal apenas poderá apreciar a referida questão de constitucionalidade enquanto esta tem por objeto o critério normativo da decisão consubs- tanciado numa regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica, não podendo sindicar o puro ato de julgamento do tribunal a quo, enquanto ponderação casuística da singularidade própria e irrepetível do caso concreto, nem apreciar a constitucionalidade do resultado da operação de apreciação e valoração da prova neste caso concreto, face aos princípios da presunção da inocência e ao dever de fundamentação das decisões judiciais. Para melhor análise da questão de constitucionalidade sub judicio , importa começar por tecer algumas breves considerações sobre o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º do Código de Processo Penal, bem como sobre o conceito de presunção judicial. O artigo 125.º do Código de Processo Penal consagra a regra da “não taxatividade dos meios de prova” dis- pondo que «são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei». Por sua vez, no que respeita à apreciação da prova, o artigo 127.º do aludido Código consagra o princípio da livre apreciação da prova, estabelecendo que «salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente». Como é sabido, no que respeita à apreciação da prova produzida e ao modo como esta deve ser valorada no sentido de o julgador formar a sua convicção sobre os factos relevantes para a decisão, ao sistema da prova legal (em que a apreciação da prova tem por base regras legais que pré-determinam o valor a atribuir-lhe) opõe-se o sistema da prova livre, caracterizado pela circunstância de tal apreciação ser efetuada com base na livre valoração do juiz e na sua convicção pessoal. Conforme refere Figueiredo Dias (cfr. ob. cit. , págs. 202-203) o princípio da livre apreciação da prova «não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida», acrescentando ainda que «a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada “verdade material” –, de tal sorte que a apreciação há de ser, em concreto, reconduzível a critérios objetivos e, portanto, em geral suscetível de motivação e de controlo». Neste mesmo sentido, Castanheira Neves [Cfr., Sumários de Processo Criminal (1967-68), Coimbra, 1968, págs. 50-51], escreve que «a liberdade de que aqui se fala não é, nem deve implicar nunca o arbítrio, ou sequer a decisão irracional, puramente impressionisto-emocional que se furte, num incondicional subjetivismo, à funda- mentação e à comunicação. Trata-se antes de uma liberdade para a objetividade – não aquela que permita uma intime conviction , meramente intuitiva, mas aquela que se determina por uma intenção de objetividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objetiva, i. e. , uma verdade que transcenda a pura subjetividade e que se comunique e imponha aos outros». Também o Tribunal Constitucional em várias decisões em que estava em causa a constitucionalidade do artigo 127.º do Código de Processo Penal disse o seguinte: “…O atual sistema da livre apreciação da prova não deve definir-se negativamente pela ausência das regras e critérios legais predeterminantes do seu valor, havendo antes de se destacar o seu significado positivo. […] A livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjetiva, emocional e portanto imotivável. há de traduzir-se em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objetivar a apreciação dos factos, requisito necessário para uma efetiva motivação da decisão. [...].
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