TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

411 acórdão n.º 521/18 A regra da livre apreciação da prova em processo penal […] não se confunde com apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova, de todo em todo imotivável» (cfr. Acórdão n.º 1164/96, acessível em www.tribunalconstitucional.pt ) . Já no que respeita ao conceito de presunções judiciais, não existe no Código de Processo Penal qualquer menção expressa ao mesmo. A referência legal ao conceito de presunções pode ser encontrada no Código Civil, cujo artigo 349.º as define como «ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido». Vaz Serra ( Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 108.º, n.º 3559, pág. 352), caracterizando esta figura, referiu que as presunções «pressupõem a existência de um facto conhecido (base das presunções), cuja prova incumbe à parte que a presunção favorece e pode ser feita pelos meios probatórios gerais; provado esse facto, inter- vém a lei (no caso de presunções legais) ou o julgador (no caso de presunções judiciais) a concluir dele a existência de outro facto (presumido), servindo-se o julgador, para esse fim, de regras deduzidas da experiência de vida». Na verdade, a utilização de presunção judicial permite que perante um ou mais factos conhecidos, por um procedimento lógico de indução, se adquira ou se admita a realidade de um facto não diretamente demonstrado, na convicção, apoiada nas regras da ciência, da experiência ou da normalidade da vida, de que certos factos são a consequência de outros. E é no valor da credibilidade do id quod e na consistência da conexão causal entre o que se conhece e o que não se apurou de uma forma direta que está o fundamento racional da presunção, residindo na medida desse valor e dessa consistência a maior ou menor validade da inferência efetuada. No âmbito da apreciação da prova em processo penal, durante muito tempo, foram escassas na doutrina e juris- prudência portuguesas as referências à possibilidade de recurso a presunções judiciais, embora a sua utilização nos tribunais fosse uma prática comum. Nos tempos mais recentes registam-se algumas abordagens teóricas da prova denominada de “indireta”, “indiciária”, “circunstancial” ou “por presunções”, procurando-se definir os critérios que devem presidir à sua utilização de forma a que esta seja compatível com o princípio da presunção de inocência (cfr. Euclides Dâmaso Simões, em «Prova indiciária», na Revista Julgar , n.º 2, 2007, pág. 203 e ss., José Santos Cabral em «Prova indiciária e as novas formas de criminalidade», na Revista Julgar , n.º 17, 2012, pág. 13, Marta Sofia Neto Morais Pinto, em «A prova indiciária no processo penal, na Revista do Ministério Público, n.º 128, out.- -dez. 2011, pp. 185-222, Luís Campos, em «A corrupção e a sua dificuldade probatória – o crime de recebimento indevido de vantagem», na Revista do Ministério Público, n.º 137, jan.-mar. 2014, pp. 132 e ss., André Lamas Leite, em “Nótulas sobre o crime de administração danosa”, na Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto , Ano IX – 2012, pág. 56, e na jurisprudência, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12-09-2007, de 6-10- 2010 e de 7-4-2011, todos acessíveis em www.dgsi.pt ). A questão a apreciar é precisamente a de saber se a interpretação sustentada pelo Acórdão proferido nestes autos pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 17 de março de 2015, segundo a qual o artigo 127.º do Código de Processo Penal permite o recurso a presunções judiciais, é compatível com a presunção de inocência, consagrada no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, e ainda com o dever de fundamentar as decisões judiciais, imposto pelo artigo 205.º, n.º 1, da Constituição. O Tribunal Constitucional já se debruçou sobre problemas de constitucionalidade de normas que estabelecem presunções legais em matéria penal, tendo concluído pela sua admissibilidade, desde que seja conferida ao arguido a possibilidade de abalar os fundamentos em que a presunção se sustenta e que baste para tal a contraprova dos factos presumidos, não se exigindo a prova do contrário. É o caso do Acórdão n.º 38/86 (acessível em www.tribunalconstitucional.pt ) , que decidiu não julgar inconstitu- cionais as normas dos artigos 169.º, § 1.º, e 557.º do Código de Processo Penal (de 1929) e as do artigo 2.º, n.º 2 e seu § único, do Decreto-Lei n.º 35 007, de 13 de outubro de 1948, que se referiam à “fé em juízo” do auto de notícia em processo sumário. Também o Acórdão n.º 448/87 (acessível em www.tribunalconstitucional.pt ) , entre outros, no mesmo sentido, sobre a mesma questão, que decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 26.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 85-C/75, de 26 de fevereiro (Lei de Imprensa), na medida em que determinava que, no caso de escritos ou imagens não assinados, publicados na imprensa periódica e consubstanciando um crime de abuso de liberdade de

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