TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

412 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL imprensa, fosse havido como autor do escrito ou imagem o respetivo diretor, o que o responsabilizava como autor do crime, a não ser que provasse que não conhecia o dito escrito ou imagem ou lhe não tivesse sido possível impedir a respetiva publicação. Considerou o Tribunal que não se mostrava violado o princípio da presunção de inocência, referindo, na fundamentação, o seguinte: «Na verdade, pode dizer-se que a dimensão deste princípio suscetível de estar em causa na hipótese – tratando-se nela, como se trata, da presunção de um puro facto – seria, não a que proíbe o estabelecimento de presunções de “culpabilidade” (não é, com efeito, a culpa do agente que aí se presume), mas antes a que respeita ao tema da prova em processo penal e se exprime (…) na regra segundo a qual uma situação de non liquet na questão de facto deverá ser valorada e resolvida em favor do réu. Ora, o que sucede é que, sendo a presunção em apreço meramente relativa – pois sempre o diretor é admitido a fazer prova de que não teve conhecimento do escrito (ou de que não pôde impedir a respetiva publicação), a mesma presunção redunda em não mais do que uma simples prova de ínterim ou de primeira aparência, pelo que ainda quanto aos factos a que respeita pode operar, bem vistas as coisas, a mencionada regra in dubio pro reo : basta, para tanto, que através da prova trazida ao processo o diretor do periódico crie uma situação de incerteza (de non liquet ) acerca da questão de facto, ou seja, acerca dos factos integrados na presunção». Ainda neste mesmo sentido se pronunciou o Acórdão n.º 246/96 (acessível em www.tribunalconstitucional.pt ) , no qual se decidiu não julgar inconstitucionais as normas do artigo 22.º, n. os 1 e 2, do Regime Jurídico das Infrações Fis- cais Aduaneiras, na sua interpretação conjugada, segundo a qual se presumem não nacionais as mercadorias que forem colocadas ou detidas em circulação no interior do território aduaneiro sem o processamento das competentes guias ou outros documentos legalmente exigíveis ou sem a aplicação de selos, marcas ou outros sinais legalmente prescritos. E é ainda o caso do Acórdão n.º 276/04, que decidiu interpretar, nos termos do disposto no artigo 80.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, o n.º 1 do artigo 152.º, do Código da Estrada, no sentido de que este preceito se limita a estabelecer uma presunção ilidível de que o proprietário ou possuidor do veículo é o seu condutor, desde que não identifique outrem como tal, tendo-se considerado, remetendo para jurisprudência anterior do Tribunal, que a existência de presunções, mesmo em direito penal, não é constitucionalmente inadmissível, desde que ilidíveis. Todas estas decisões revelam que concluir-se pela prova de um facto em resultado do funcionamento de uma presunção é compatível, em processo penal, com uma presunção geral de inocência e com o princípio in dubio pro reo . O princípio da presunção da inocência, tendo sido consagrado pela primeira vez na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, veio a ter posterior acolhimento no artigo 11.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, encontrando-se previsto no n.º 2, do artigo 32.º, da Constituição, no qual se dispõe que «todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa». Da consagração constitucional do princípio da presunção de inocência decorre que o processo penal tem de ser estruturado de forma a assegurar todas as garantias de defesa do arguido, tido à partida como inocente, por não haver qualquer fundamento para que aquele não se considere como tal enquanto não for julgado culpado por sentença transitada em julgado. Em matéria de prova, este princípio é identificado por muitos autores com o princípio in dubio pro reo , o qual se traduz numa imposição dirigida ao julgador no sentido de que qualquer situação de dúvida a respeito dos factos relevantes para a decisão da causa ou da culpabilidade do arguido deve ser valorada a favor deste, resolvendo-se desta forma os casos de non liquet em matéria de prova (sobre as diferentes opiniões defendidas na doutrina acerca das relações entre o princípio da presunção de inocência e o princípio in dubio pro reo , cfr. Helena Magalhães Bolina, «Razão de ser, significado e consequências do princípio da presunção da inocência (art. 32.º, n.º 2, da CRP»), Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra , Vol. LXX, Coimbra, 1994, págs. 440-442). No entanto, mesmo a nível probatório, ele tem um sentido e alcance mais amplos que o princípio in dubio pro reo , como explica Helena Magalhães Bolina ( cit ., pp. 443-446):

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