TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
413 acórdão n.º 521/18 «O princípio in dubio pro reo só se aplica no caso de surgir a dúvida quanto à apreciação da matéria de facto. O princípio da presunção de inocência, atento o objetivo que visa atingir, intervém em momento anterior, con- dicionando o surgimento dessa dúvida, impondo-o em todas as situações em que, à luz da verdade material, a culpabilidade do arguido não possa considerar-se afirmada com certeza. A dúvida é, assim, por imposição do princípio de presunção de inocência, uma dúvida legal: uma dúvida que deve surgir em determinadas circunstâncias e constitui também matéria de direito, não só a questão de saber se a dúvida surgida na apreciação da prova foi resolvida favoravelmente ao arguido – caso em que se está perante a verificação do respeito do princípio in dubio pro reo –, mas também se, em face da prova produzida, a dúvida surgiu quando devia, ou, noutra perspetiva, se o juízo de certeza foi bem fundado. Nesse caso, o princípio cujo respeito se avalia é, não já o in dubio pro reo , mas, mais rigorosamente, o princípio da presunção de inocência. O princípio da presunção de inocência distingue-se, assim, do princípio in dubio pro reo , não só pela sua relevância no tratamento do arguido ao longo de todo o processo e pelo seu reflexo extraprocessual como critério dirigido ao legislador ordinário, mas também, em sede de prova, impondo que a dúvida surja em determinadas circunstâncias, assim possibilitando, em momento lógico posterior, a aplicação do princípio in dubio pro reo ». No presente recurso não se trata de verificar a constitucionalidade de uma qualquer previsão legal de deter- minada presunção de facto, como ocorreu com os anteriores Acórdãos acima referidos, incidindo a fiscalização de constitucionalidade sobre a possibilidade de, nos termos da interpretação normativa sindicada, se entender ser genericamente admissível o recurso a presunções judiciais como meio de prova em processo penal. Segundo se depreende das alegações do recorrente, este sustenta que, no domínio do processo penal, na insufi- ciência de prova direta, o julgador estaria impedido, por força do princípio da presunção da inocência, de recorrer a presunções judiciais. Ou seja, nesses casos de inexistência de prova direta, impor-se-ia, segundo o recorrente, por força do princípio da presunção de inocência, o surgimento da dúvida a respeito dos factos relevantes para a deci- são, dúvida essa que, por força do princípio in dubio pro reo , teria de ser valorada em favor do arguido. Ora, na prova por utilização de presunção judicial, a qual pode sempre ser infirmada por contraprova, na passa- gem do facto conhecido para a prova do facto desconhecido, intervêm juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais que permitem fundadamente afirmar, segundo as regras da normalidade, que determinado facto, que não está diretamente provado é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido. Quando o valor da credibilidade do id quod e a consistência da conexão causal entre o que se conhece e o que não se apurou de uma forma direta atinge um determinado grau que permite ao julgador inferir este último elemento, com o grau de probabilidade exigível em processo penal, a presunção de inocência resulta ilidida por uma presunção de significado contrário, pelo que não é possível dizer que a utilização deste meio de prova atenta contra a presunção de inocência ou contra o prin- cípio in dubio pro reo . O que sucede é que a presunção de inocência é superada por uma presunção de sinal oposto prevalecente, não havendo lugar a uma situação de dúvida que deva ser resolvida a favor do réu. Se, no caso concreto, houve lugar à utilização de presunções sem a necessária credibilidade ou consistência é uma questão que o Tribunal Constitucional não tem competência para avaliar. Mas, no entender do recorrente, a norma do artigo 127.º do Código de Processo Penal, na interpretação que lhe foi dada pela decisão recorrida, seria ainda inconstitucional, por violação “dos princípios do Estado de direito democrático, da vinculação à Lei e da fundamentação das decisões dos tribunais, consagrados respetivamente nos artigos 2.º, 203.º e 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa”. O que está em causa na questão de constitucionalidade suscitada no presente recurso é, essencialmente, a alegada violação da exigência constitucional de fundamentação das decisões judiciais, consagrada no art. 205.º, n.º 1, da Constituição, o qual determina que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”. Como já acima se disse, no ponto 2.2., constitucionalmente é exigível que na fundamentação seja visível uma racionalização dos motivos da decisão, revelando-se às partes e à comunidade o conhecimento das razões que subjazem ao concreto juízo decisório, devendo, para isso, a fundamentação revelar uma aptidão comunicativa na
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