TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

414 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL exteriorização das premissas que presidem à sua conclusão, assim como o respetivo juízo de valoração, de modo a transmitir, como condição de inteligibilidade, a intrínseca validade substancial do decidido. Ora, tendo em consideração as características acima apontadas à utilização de presunções judiciais, verifica-se que a prova indireta ou por presunções assenta num processo lógico de inferência que não pode ser entendido como uma operação puramente subjetiva, emocional e imotivável, mas sim como uma valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objetivar a apreciação dos factos e proceder a uma efetiva motivação da decisão. Daí que a utilização de presunções judiciais não seja incompatível com o dever de fundamentação das decisões judiciais, antes exigindo uma explicação mais rigorosa que seja claramente explicitadora do processo lógico que lhe é inerente. Se no caso concreto o rigor exigível foi ou não observado já é uma questão que excede as competências do Tribunal Constitucional. Por estas razões se conclui que a interpretação da norma constante do artigo 127.º do Código de Processo Penal, na interpretação de que a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do jul- gador permite o recurso a presunções judiciais em processo penal não viola qualquer parâmetro constitucional.» Esta argumentação é inteiramente transponível para os presentes autos e deve ser reiterada. Ao contrário do que afirma o recorrente nas suas alegações, o juízo firmado no citado aresto, a propósito da admissibilidade constitucional do recurso a presunções judiciais em processo penal, não está delimitado às fases processuais do inquérito ou da instrução, valendo antes para todas as fases, nomeadamente para o julgamento. Assim é porque, no plano probatório, o que distingue essas fases não é o universo dos meios de prova que podem ser considerados para a formação da convicção subjacente às decisões finais que os encer- ram. É o estalão probatório exigido em cada uma delas que é radicalmente diferente nas fases de inquérito e instrução, por um lado, e na fase de julgamento, por outro. 9. Acresce que a distinção entre prova direta e indireta não se baseia num predicado epistemológico – a idoneidade ou o valor do meio de prova −, mas num predicado lógico – a relação entre a prova e o facto. A distinção justifica-se, essencialmente, por razões de comodidade analítica. Possui ainda a virtude metodo- lógica de permitir discriminar processos inferenciais de complexidade diversa, na medida em que a prova indireta implica, por natureza, uma cadeia de raciocínio entre o facto probatório e o facto probando, ao passo que a prova direta do facto probando decorre imediatamente da adesão do julgador ao facto probatório. Porém, tal distinção nada de relevante encerra sobre a força probatória dos meios de prova que através dela se classificam, como se demonstra através da comparação entre o depoimento de uma testemunha de credibi- lidade duvidosa no sentido de que o arguido estava em determinado local a determinada hora e a inferência de que tal não é possível porque o arguido integra a lista de passageiros de um voo que decorria a essa hora. A solidez do raciocínio probatório não é uma função da tipologia da prova, senão da verosimilhança dos factos e da validade das inferências deles extraídas. Nesta medida, só perante os contornos do caso concreto e os elementos probatórios disponíveis no processo se poderá aferir da maior ou menor força dos meios de prova diretos e indiretos que se tenham produzido, nada obstando à prevalência de uns sobre os outros e mesmo à possibilidade de uma prova indireta constituir fundamento suficiente para a demonstração judicial da verdade. Indispensável é que a prova indireta atinja o limiar de certeza exigível para uma condenação em processo penal. Refira-se ainda que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já se pronunciou sobre a admis- sibilidade do recurso a prova indireta em processo penal, designadamente no caso John Murray v. Reino Unido , decidido por acórdão de 8 de fevereiro de 1996. A formulação de juízos de inferência incriminatórios encontra-se, segundo o TEDH, condicionada à verificação de determinados pressupostos: (i) a acusação deverá estabelecer previamente, através de prova direta, as circunstâncias que permitem o juízo de inferên- cia; (ii) estas deverão permitir que nelas se apoie a conclusão inferida; e (iii) a conclusão inferida (de que se encontram provados os elementos essenciais do crime) deverá ser estabelecida para além de dúvida razoável.

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