TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

415 acórdão n.º 521/18 A estes requisitos devem acrescer garantias processuais destinadas a assegurar que o juízo de inferência seja racionalmente exposto e sindicável por via de recurso. Onde tais exigências se mostrem cumpridas – como é o caso do ordenamento processual penal português −, a prova indireta é perfeitamente admissível à luz do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Importa, pois, concluir que o recurso a prova indiciária, designadamente a presunções judiciais, não contende com o princípio da presunção de inocência do arguido. 10. O recorrente invoca ainda um segundo parâmetro constitucional – a imposição de estrutura acusa- tória do processo penal – para fundamentar o seu recurso. Há uma vasta jurisprudência constitucional que densifica o princípio do acusatório, designadamente o Acórdão n.º 124/90, cujos termos mantêm plena atualidade: «7.2 – Para caracterizar o princípio do acusatório, diz Eduardo Correia ( Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz , Coimbra, 1948) que, segundo esse princípio, também chamado princípio da acusação, «cumpre ao acusador fixar o se e o objecto concreto da actividade processual» (p. 11), estando assim «a actividade substancial do juiz […] limitada e condicionada pela acusação –  judex ne procedat ex officio »(p. 23). Em razão do princípio do acusatório, não pode, pois, haver julgamento sem prévio exercício da acção penal. Para dizer com Cavaleiro de Ferreira ( Curso de Processo Penal , 2.º, Lisboa, 1986, p. 219): «o facto e seu agente, consoante são indicados na acusação, limitam o objecto da jurisdição: esta só pode conhecer, em princípio, dos factos e agentes que a acusação indicar». Materialmente, pois, é o Estado, enquanto titular que é do  ius puniendi , quem acusa e quem julga. Mas, for- malmente, um é o órgão que procede ao julgamento (o juiz); outro, o que promove o processo (o Ministério Público). Funcionando no processo criminal o Ministério Público como «parte», embora só em sentido formal, realiza- -se o princípio acusatório formal que, no dizer de Eduardo Correia, é «o único que permite conciliar o interesse público da punição, com o da imparcialidade do julgador, sem abandonarmos o tipo acusatório» (cfr.  Processo Criminal , lições policopiadas ao curso do 5.º ano jurídico de 1954/1955, p. 15). A acusação é, assim, a condição processual indispensável para que o arguido possa ser submetido a julgamento. E mais: é pela acusação que se define e se fixa o objecto do processo, isto é, o  thema decidendum do julgamento. Na verdade, apenas a infração e o seu autor, tal como são identificados na acusação, podem ser objecto de absolvição ou de condenação. Sobre este tema, escreve Castanheira Neves, a pp. 33 e 34 dos  Sumários de Processo Criminal : Ora, o que o princípio da acusação se propõe é justamente a conciliação do interesse público (e portanto da função estadual) da repressão com as exigências, de não menor interesse público, da imparcialidade e objec- tividade no julgamento das infrações. O que se consegue atribuindo a órgãos públicos fundamentalmente distintos, por um lado, a função de investigação e acusação dos delitos – que compete em regra ao Ministério Público, magistratura com um estatuto administrativo e, por outro lado, a função de julgamento dessa acu- sação – que compete ao tribunal criminal como órgão de estatuto e estrutura jurisdicional. Desse modo, e já que, além disso, ao acusado será dada a mais ampla possibilidade de contradição e de defesa da acusação feita, o julgador, se se encontra numa situação super partes, também não está interessado senão na apreciação objectiva do «caso» criminal que lhe é submetido. De sua parte, Figueiredo Dias ( Direito Processual Penal , I, Coimbra, 1981, pp. 136 e 137), depois de acentuar que «a imparcialidade e objectividade» são, «conjuntamente com a independência» «condições indispensáveis de uma autêntica decisão judicial» e que elas «só estarão asseguradas quando a entidade julgadora não tenha funções de investigação preliminar e acusação das infrações, mas antes possa apenas investigar e julgar dentro dos limites

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