TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
416 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL que lhe são postos por uma acusação fundamentada e deduzida por um órgão diferenciado (em regra o Ministério Público ou um juiz de instrução)», afirma: É precisamente com este conteúdo que modernamente se afirma o princípio da acusação. 7.3 – A Constituição dispõe no artigo 32.º, n.º 5: 5 – O processo criminal tem estrutura acusatória […]. Ao consagrar uma tal garantia – a garantia do processo criminal de tipo acusatório – o que, pois, a Lei Fun- damental pretende assegurar é que a entidade que julga (o juiz) não tenha funções de investigação e acusação: esta última tarefa há de ser levada a efeito por uma outra entidade (em regra, o Ministério Público); e, no julgamento do feito penal, há de o juiz mover-se dentro dos limites postos pela acusação. Com isto, como decorre do que atrás se disse, pretende a Constituição que os arguidos, que hajam de ser submetidos a julgamento, acusados da prática de uma infração criminal, tenham um julgamento independente e imparcial, que é, justamente, o que também se lhes garante no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aprovada pela Lei n.º 65/78, de 13 de outubro, quando aí se dispõe como segue: Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial […]. Num Estado de Direito, a solução jurídica dos conflitos há de, com efeito, fazer-se sempre com observância de regras de independência e de imparcialidade, pois tal é uma exigência do próprio direito de acesso aos tribunais, que a Constituição consagra no artigo 20.º, n.º 1 (cfr., neste sentido, o Acórdão n.º 86/88 deste Tribunal, publicado no Diário da República , II Série, de 22 de agosto de 1988). A garantia de um julgamento independente e impar- cial é, de resto, também uma dimensão – e dimensão importante – do princípio das garantias de defesa, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, para o processo criminal, pois este tem que ser sempre a due process of law . Para que haja um julgamento independente e imparcial, necessário é que o juiz que a ele proceda possa julgar com independência e imparcialidade. Ora, a independência do juiz «é, acima de tudo, um dever – um dever ético-social. A ‘independência vocacio- nal’, ou seja, a decisão de cada juiz de, ao ‘dizer o Direito’, o fazer sempre esforçando-se por se manter alheio – e acima – de influências exteriores é, assim, o seu punctum saliens . A independência, nessa perspetiva, é, sobretudo, uma responsabilidade que terá a ‘dimensão’ ou a ‘densidade’ da fortaleza de ânimo, do carácter e da personalidade moral de cada juiz» (cfr. Acórdão n.º 135/88 deste Tribunal, publicado no Diário da República , II Série, de 8 de setembro de 1988). Mas, acrescentou-se no aresto acabado de citar: Com sublinhar estes pontos, não pode, porém, esquecer-se a necessidade de existir um quadro legal que «pro- mova» e facilite aquela «independência vocacional». Assim, necessário é, inter alia , que o desempenho do cargo de juiz seja rodeado de cautelas legais destinadas a garantir a sua imparcialidade e a assegurar a confiança geral na objectividade da jurisdição. É que, quando a imparcialidade do juiz ou a confiança do público nessa imparcialidade é justificadamente posta em causa, o juiz não está em condições de «administrar justiça». Nesse caso, não deve poder intervir no processo, antes deve ser pela lei impedido de funcionar – deve, numa palavra, poder ser declarado iudex inhabilis . Importa, pois, que o juiz que julga o faça com independência e imparcialidade. E importa, bem assim, que o seu julgamento surja aos olhos do público como um julgamento objetivo e imparcial. É que, a confiança da comu- nidade nas decisões dos seus magistrados é essencial para que os tribunais, ao «administrar a justiça», actuem, de facto, «em nome do povo» (cfr. artigo 205.º, n.º 1, da Constituição).» 11. O pressuposto da argumentação desenvolvida pelo recorrente, a propósito do presente parâmetro de constitucionalidade, é o de que a norma sindicada permite ao tribunal de julgamento, através do recurso a prova indiciária, desincumbir a entidade acusadora – o Ministério Público – de provar, para além da dúvida razoável, a culpabilidade do acusado, transferindo para este o ónus de demonstrar a sua inocência. Porém,
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