TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
42 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL exceção daquela que foi julgada inconstitucional em sede de fiscalização abstrata ( infra § 19.º s.) – chegou a por em causa a peculiar natureza jurídica do instituto, segundo a imagem acima esquadrinhada. Assim o Estado, através do legislador, nunca deixou de alimentar, no espírito dos seus beneficiários, a expectativa de que aquela peculiar prestação social não contributiva preservaria o seu perfil essencial por todo o tempo em que fosse devida. 16.º Quanto ao segundo teste, cumpre recordar que é a própria Constituição da República Portuguesa, no já referido n.º 2 do seu artigo 117.º, que vem remeter para a lei a determinação dos direitos, regalias e imunidades dos titulares de cargos políticos, reenvio este que legitima juridicamente e com especial densidade expectativa dos remanescentes beneficiários da subvenção mensal vitalícia a respeito da conservação do núcleo duro da prestação desenhada pelo legislador ordinário. 17.º Relativamente ao terceiro requisito, tendo a figura jurídica em exame sido criada exatamente para recompensar o empenho e o sacrifício daqueles que, no já demarcado contexto histórico de consolidação da democracia portu- guesa, dedicaram-se à causa pública, será razoável partir da premissa que os remanescentes beneficiários daquela peculiar prestação social não contributiva terão efetivamente tomado decisões de vida em boa medida determina- das pelas legítimas expectativas quanto ao aproveitamento de uma regalia que – segundo um juízo de prognóstico que lhes era habilitado pelas linhas de mutação do correspondente regime jurídico – em nenhuma hipótese seria condicionada a qualquer vertente de rendimento derivado do exercício de atividades privadas. 18.º A propósito do quarto e último teste, embora a situação económico-financeira do país ainda requeira especiais cuidados de vigilância e supervisão, cumpre admitir que os constrangimentos orçamentais que estiveram por detrás da introdução das normas aqui atacadas já não serão tão severos a ponto de impor aos remanescentes beneficiários da subvenção mensal vitalícia um acrescido dever de solidariedade. Assim sendo, também parece que a vinculação do pagamento daquele benefício a uma condição de recurso já não mais será, agora, uma medida adequada, neces- sária e proporcional para assegurar o equilíbrio das contas públicas, ao menos não a ponto de justificar tão severa intromissão na esfera jurídica do cidadão. Tanto mais quando se pensa no suposto montante global poupado pelos cofres do Estado. 19.º Convém também sublinhar que os argumentos acima esgrimidos e a conclusão a partir deles alcançada pode- rão encontrar apoio claro e firme no já invocado acórdão n.º 3/2016. Sendo certo, aliás, que este aresto versou, também cm sede de fiscalização abstrata sucessiva, exatamente sobre o tipo de condicionamento aqui em apreço, naquela altura imposto, com maior abrangência e espessura, pelas determinações constantes do artigo 80.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, que aprovou o orçamento do Estado para o ano de 2015. 20.º Estava em cena solução legal que atrelava as subvenções vitalícias atribuídas a ex-titulares de cargos políticos à denominada condição de recursos, com remissão expressa para o regime geral de requisitos de acesso a prestações sociais não contributivas, estabelecido pelo já referido Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de junho, embora com as especificidades consagradas no referido diploma orçamental, que, em função do valor do rendimento mensal médio do beneficiário e do seu agregado familiar, chegou a prever, para alguns casos, a suspensão do benefício e, para as demais situações, a sua redução. Sem distinguir estas duas situações, o Tribunal Constitucional veio decla- rar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade das normas em questão, sublinhando que a sua introdução implicava alterar, de maneira imprevisível, a própria natureza da subvenção mensal vitalícia como figura jurídica
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=