TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

450 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. A. instaurou contra B., S.A., uma ação declarativa com processo ordinário destinada a efetivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação (embate entre o motociclo conduzido pelo primeiro e um veículo automóvel seguro na segunda). O autor faleceu na pendência da ação, tendo sido habilitados, como seus únicos herdeiros, os seus filhos e ora recorridos, C., D. e E.. Por sentença de 23 de janeiro de 2017 do Juízo Central Cível de Viana do Castelo – 3.ª Secção, foi a ré condenada, com base na culpa exclusiva do condutor do veículo por si segurado, no pagamento de uma indemnização cível no valor total de € 140 027,48, acrescida dos respetivos juros de mora, absolvendo-a do restante peticionado. Inconformada, a ré apelou e os sucessores do autor, habilitados no processo, interpuseram recurso subordinado. O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 23 de novembro de 2017, julgou par- cialmente procedente a apelação, reduzindo o valor total da indemnização a pagar, por entender que o con- dutor do motociclo também havia concorrido culposamente para a verificação do sinistro. Nessa decisão, relativamente à impugnação dos rendimentos auferidos pelo sinistrado à data do acidente considerados para efeitos de cálculo da respetiva indemnização por danos patrimoniais deduzida pela apelante, aquele tribunal entendeu o seguinte: «Suscita a recorrente a questão da legalidade das provas produzidas, dizendo que inexiste no processo qualquer comprovação documental dessa remuneração, sendo que era mester fazê-lo, tal como prescreve o artigo 64.º, n.º 7, do Regime Jurídico do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel […] Esta norma suscita, de facto, a questão da possibilidade de se poder fazer a prova judicial dos rendimentos auferidos pelos sinistrados de acidente de viação, sem ser com recurso a documentos fiscalmente comprovados (recibos legalmente emitidos e sobre os quais tenham incidido as devidas deduções fiscais). Ou seja, à luz daquela norma, não seria admissível a prova judicial de rendimentos auferidos, não declarados fiscalmente, o que redunda- ria na ausência de prova dos rendimentos efetivamente auferidos pelo lesado de acidente de viação (não declarados fiscalmente). Mas o Tribunal Constitucional tem julgado materialmente inconstitucional a interpretação normativa extraída daquela norma (do n.º 7 do artigo 64.º do Dec. Lei 291/2007, de 21 de agosto, na redação introduzida pelo Dec Lei 153/2008, de 6 de agosto) como nos dá conta o Acórdão n.º 383/12 […], por violação do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, na vertente da garantia de um processo equitativo, consagrada no artigo 20.º, n.º 4, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 2, ambos da Constituição, e do direito à justa reparação dos danos, decor- rente do artigo 2.º da Lei Fundamental. Como se refere naquele acórdão, “a solução legislativa em causa, dando prevalência à celeridade na resolução do conflito, prejudica, precisamente, os lesados em acidente de viação que, sendo, embora, os principais interessados na celeridade da obtenção do ressarcimento, são, ao mesmo tempo, os prejudicados pela exclusão de outros meios de prova que coadjuvassem a fixação da indemnização do efetivo dano sofrido. É por esta razão que os lesados estão dispostos a abdicar da celeridade, sempre que discordam da fixação do montante indemnizatório, atacando-a em juízo. Com a solução normativa em apreciação, a parte mais fragilizada vê cerceada, sem justificação bastante, a possibilidade de, em juízo, fazer corresponder o valor da indemnização à realidade dos danos sofridos, por impos- sibilidade de valoração judicial dos rendimentos realmente auferidos, o que, nalguns casos, pode ter consequências de extrema gravidade. (…) Afastar a ponderação de outros meios de prova, pelo tribunal, com o intuito de fomen- tar a coincidência entre a remuneração inscrita nas declarações fiscais e a remuneração efetivamente auferida – no «reforço de uma ética de cumprimento fiscal» –, é uma opção que pode prejudicar de forma irrazoável e excessiva o direito ao justo ressarcimento, em momento de particular fragilidade da vítima de acidente de viação.”

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