TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
456 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL julgado por um órgão imparcial e independente. Por isso, embora só estejam [– o direito de defesa e o princípio do contraditório –] expressamente consagrados na Constituição no âmbito do processo penal, [os mesmos] apresentam-se como normas de alcance geral» (cfr. Rui Medeiros, ob. cit. , anot. XX ao artigo 20.º, pp. 442-443). Mas, como referido, «um tal direito não implica necessariamente a admissibilidade de todos os meios de prova permitidos em direito em qualquer tipo de processo e independentemente do objeto do litígio […]. Toda- via, as limitações à produção de prova não podem ser arbitrárias ou desproporcionadas (Acs. 209/95, 605/95 e 681/06)» (assim, vide Rui Medeiros in Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, cit., anot. XX ao artigo 20.º, p. 443; vide também os Acórdãos n. os 395/89, 209/95, 452/03, 157/08 e 530/08). 7. A limitação da liberdade probatória – que é diferente da sua regulamentação (por exemplo, quanto ao número de testemunhas ou outros meios de prova a produzir) – significa, em princípio, cercear a possi- bilidade de demonstrar em juízo que se tem razão, impedindo-se, desse modo, que o tribunal possa chegar a uma apreciação exata da realidade fáctica. Nessa medida, corresponde a uma restrição do direito à tutela jurisdicional efetiva, a qual deve ser estatuída por lei da Assembleia da República ou decreto-lei autorizado [cfr. o artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição]. Não foi isso que sucedeu no caso presente, visto que o Decreto-Lei n.º 153/2008, de 6 de agosto, foi aprovado ao abrigo da competência legislativa genérica do Governo [cfr. o artigo 198.º, n.º 1, alínea a) , da Constituição]. Consequentemente, o artigo 1.º do citado Decreto-Lei n.º 153/2008 – preceito que altera o Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, aditando ao artigo 64.º deste último o n.º 7 aqui em análise – enferma de inconstitucionalidade orgânica, por versar matéria integrada na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República. 8. Para além deste aspeto orgânico-formal, cumpre cotejar a aludida restrição do direito à tutela jurisdi- cional efetiva com as exigências materiais constitucionalmente previstas. Para o efeito, é útil recordar a síntese formulada no Acórdão n.º 853/14: «Como tem sido afirmado reiteradamente pelo Tribunal Constitucional, o direito à tutela jurisdicional efetiva para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, genericamente proclamado no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição, implica o “direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder ‘deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultados de umas e outras’ (Acórdão n.º 86/88, reiterado em jurisprudência posterior e, por último, no acórdão n.º 157/2008)” (vide, entre tantos outros, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 530/08, n.º 4) O direito de acesso à justiça comporta o direito à produção de prova. Isto não significa, porém, que o direito à prova implique a admissão de todos os meios de prova permitidos em direito, em qualquer tipo de processo e relativamente a qualquer objeto do litígio. São admissíveis limitações na produção de certos meios de prova como a que se traduz, por exemplo, na limitação a um número máximo de testemunhas arroladas por cada parte. Como tem sido também sublinhado, «o direito à prova não implica a total postergação de determinadas limitações legais aos meios de prova utilizáveis, desde que essas limitações se mostrem materialmente justificadas e respeitadoras do princípio da proporcionalidade» (vide, de novo, o Acórdão n.º 530/08, n.º 4). 10. A questão que importa resolver é, portanto, saber se uma norma que restringe o uso dos meios de prova num processo judicial respeita o direito de acesso à justiça na sua vertente de direito a demonstrar os factos que suportam o “direito” ou “interesse” que se pretende ver reconhecido pelo tribunal, ou, dito de outro modo, saber se a limitação de meios de prova estabelecida pelo legislador respeita o direito de provar os factos que suportam o pedido formulado ao tribunal.
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