TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

458 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL indemnização do dano corporal, torna-se imperioso pôr cobro ao potencial de litigiosidade que aquela situação encerra, procurando, por um lado, contribuir para acentuar a tendencial correspondência entre a remuneração inscrita nas declarações fiscais e a remuneração efetivamente auferida –sinalizando-se também aqui, o reforço de uma ética de cumprimento fiscal – e, por outro, aumentar as margens de possibilidades de acordo entre segura- doras e segurados, evitando o foco de litigância que surge associado à dissemelhança de valores que estas situações comportam. A introdução desta regra contribui igualmente para que nestas matérias exista mais objetividade e previsibilidade nas decisões dos tribunais, criando também condições para que a produção de prova seja mais fácil e célere e a decisão mais justa.» São, por conseguinte, vários os interesses prosseguidos por esta alteração legislativa, todos eles com assinalável relevância constitucional: – Diminuição da litigiosidade e consequente alívio dos tribunais (artigos 20.º, n.º 4, e 202.º); – Aumento da celeridade processual, por via da facilitação da prova dos danos patrimoniais em causa (artigo 20.º, n.º 4); – Maior objetividade e previsibilidade nas decisões dos tribunais (artigo 20.º, n.º 4); – Reforço de uma “ética de cumprimento fiscal” (artigos 103.º e 104.º). 10. Importa recordar que está em causa a comprovação de um tipo de factualidade que respeita pessoal- mente ao interessado, é necessariamente do seu conhecimento direto e sobre a qual o mesmo já se pronun- ciou por escrito com o dever de dizer a verdade: os rendimentos líquidos por si auferidos numa determinada data passada – aquela em que ocorreu o acidente de viação – que se encontrem fiscalmente comprovados, uma vez cumpridas as obrigações declarativas relativas àquele período, constantes de legislação fiscal. Tal comprovação faz-se mediante a apresentação da declaração fiscal de rendimentos. Como sublinhado pelo Tribunal noutras circunstâncias, nomeadamente no citado Acórdão n.º 530/08, não pode deixar de reconhecer-se que um regime legal deste tipo, ao circunscrever a prova a produzir apenas à de natureza documental, é, em regra, suscetível de garantir ao interessado a demonstração dos seus rendi- mentos, visto que as declarações de rendimentos a entregar perante o serviço de finanças, que apresentam sempre um suporte documental, fornecem tipicamente uma indicação suficientemente precisa do nível dos respetivos proventos económicos. Por outro lado, a mesma opção legislativa tem certamente por base a con- sideração de que os meios de prova documentais são os que se apresentam como possuindo maior eficácia e fiabilidade de que quaisquer outros e que são também os que melhor se compadecem com a celeridade processual. Em especial, no caso das declarações fiscais, a respetiva obtenção não se mostra nem difícil nem excessi- vamente onerosa: as mesmas encontram-se ao dispor dos interessados, por respeitarem a declarações pessoais que decorrem do cumprimento de deveres fiscais, podendo ser obtidos, por isso, sem grande dificuldade. Saliente-se, por fim, a cautela do legislador ao limitar a limitação probatória aos casos em que já foram cum- pridas as obrigações declarativas relativas ao período em que ocorreu o acidente, prevenindo, desse modo, o risco de as declarações de rendimentos não permitirem efetuar a demonstração dos factos em que assenta o pedido de indemnização por danos patrimoniais reportados ao rendimento mensal do lesado auferido à data do acidente. Pelo exposto, é facilmente verificável a concretização de todos os mencionados interesses prosseguidos mediante a medida legislativa ora em apreciação. Aliás, o rendimento declarado para efeitos fiscais só não corresponderá ao seu rendimento real, caso o interessado tenha omitido algum valor na sua declaração. Nessa perspetiva, a limitação probatória em causa surge como uma espécie de exceptio doli ( praeteriti ) normativa: a posição adquirida por via de uma atuação de má fé não merece ser tutelada pelo direito.

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