TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

461 acórdão n.º 565/18 E esta é uma circunstância que o interessado controla, desde logo no momento de apresentação das declarações de rendimentos (mas também posteriormente, por via da entrega de declarações retificativas). Com efeito, se a declaração não corresponder à verdade, tal é imputável ao próprio declarante, que motu proprio ou consentindo em tal prática, sai objetivamente (e ilegitimamente) beneficiado de uma omissão declarativa a que está obrigado. Ou seja, na generalidade das situações, e tipicamente, o interessado não fica impossibilitado de exercer uma real defesa dos seus direitos; aliás, a possibilidade de o fazer apenas pode ficar limitada em consequência direta de uma sua atuação voluntária – a violação de deveres de cidadania fiscal. Atenta a importância de tais deveres e a circunstância de o próprio interessado controlar os rendimentos que declara, não é excessivo que o legislador associe ao incumprimento dos mesmos deveres consequências com projeção noutros domínios, como seja o plano da própria justiça comutativa (relações lesante-lesado). Esta última consideração afigura-se especialmente pertinente em todos aqueles casos em que tenha de ser o Fundo de Garantia Automóvel a garantir a obrigação de indemnização (cfr. o artigo 47.º e seguintes do Decreto- -Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto – reparação de danos causados por responsável desconhecido ou isento da obrigação de seguro em razão do veículo em si mesmo, ou por responsável incumpridor da obrigação de seguro de responsabilidade civil automóvel). Por outro lado, nas circunstâncias em que a restrição em análise é aplicável, a lei acautela um mínimo de proteção relativamente às pessoas mais vulneráveis. Com efeito, a lei prevê-se que nas eventualidades de omissão de apresentação declaração de rendimen- tos, ausência de profissão certa ou de rendimentos declarados muito baixos, o tribunal apure o rendimento mensal do lesado com base na retribuição mínima mensal garantida à data da ocorrência (vide o n.º 8 do artigo 64.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 153/2008, de 6 de agosto). E, mesmo que o lesado tenha uma profissão, mas se encontre numa situação de desemprego, deve o tribunal optar pela solução mais favorável àquele: a consideração da média dos últimos três anos dos rendimentos líquidos declarados nos anos em que não houve rendimento ou o montante mensal recebido a título de subsídio de desemprego (vide o n.º 9 do mesmo artigo 64.º). Considerando todos estes dados, em particular a circunstância de eventuais desvantagens para o interes- sado decorrerem de um seu comportamento censurável e de as mesmas não se traduzirem numa desproteção total e, outrossim, a importância e a certeza de ganhos de interesse público associadas à solução consagrada no n.º 7 do artigo 64.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, não se mostra comprovadamente desequilibrada a relação entre a carga coativa inerente a tal solução e os benefícios que da mesma resultam do ponto de vista daqueles interesses. E, em tais circunstâncias, deve prevalecer a avaliação feita pelo legislador democrático. 14. A mesma solução legal também tem sido cotejada com o princípio da igualdade, nomeadamente na sua vertente de proibição do arbítrio (cfr. supra o n.º 5). Na verdade, o dever de, para a fixação da indemni- zação por danos patrimoniais no âmbito da responsabilidade civil por acidente de viação, considerar apenas os rendimentos líquidos do lesado fiscalmente comprovados pode implicar um desvio ao princípio geral conformador da obrigação de indemnização – a reconstituição da situação atual hipotética (cfr. o artigo 562.º do Código Civil) – e, bem assim, ao modo comum de cálculo da indemnização em dinheiro, ou seja, de acordo com a teoria da diferença (artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil: «a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal , e a que teria nessa data se não existissem danos»). Como notam Adriano Garção Soares e Maria José Rangel de Mesquita, «o facto de a obrigação de aten- dimento dos rendimentos fiscalmente comprovados ser circunscrito à indemnização de danos originados pela circulação de veículos automóveis sujeitos ao seguro obrigatório representa uma discriminação negativa relativamente à indemnização de danos provenientes de outros eventos igualmente geradores de responsabi- lidade civil. Se a indemnização a atribuir ao lesado não tiver origem em responsabilidade civil por acidente de viação já o respetivo quantitativo não ficará sujeito aos estreitos limites previstos» no preceito em análise (vide Autores cits., Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, Anotado

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