TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

463 acórdão n.º 565/18 Fornecendo o patamar mínimo do controlo jurisdicional proporcionado pelo princípio da igualdade e acen- tuando-lhe a função de limite externo da liberdade de conformação do legislador ordinário, a conceção da igualdade como proibição do arbítrio vem sendo desde há muito perfilhada na jurisprudência deste Tribunal. [Na síntese do Acórdão n.º 750/95, o “princípio da igualdade reconduz-se (…) a uma proibição de arbítrio sendo inadmissíveis quer a diferenciação de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objetivos, constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais”. […] Segundo se extrai ainda da jurisprudência constitucional, a ausência de fundamento material bastante em que se baseia o juízo de censura por violação do princípio da igualdade tanto pode dizer respeito à própria opção de estabelecer um tratamento diferenciado, como à medida em que tal diferenciação surge em concreto concretizada. […] [O]perando essencialmente enquanto proibição do arbítrio, [o princípio da igualdade] enseja um controle externo das opções do legislador ordinário baseado num escrutínio de baixa intensidade. Partindo do reconhe- cimento de que é ao legislador democraticamente legitimado que cabe ponderar, dentro da ampla margem de valoração e conformação de que dispõe, “os diversos interesses em jogo e diferenciar o seu tratamento no caso de entender que tal se justifica” (Acórdão n.º 231/94) – definindo ou qualificando “as situações de facto ou as relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente” (Acórdão n.º 369/97) –, assinala-se ao princípio da igualdade a função de invalidar as escolhas do poder legislativo quando a desigualdade de tratamento que nelas se contém for, quanto ao seu fundamento ou quanto à medida, extensão ou grau em que surge concretizada, à evidência irrazoável. 11. A ideia de um controlo jurisdicional das leis baseado numa conceção da igualdade como proibição do arbítrio e desta como um critério essencialmente negativo, assente no chamado “ ‘teste do ‘merecimento’ ” (cfr. Acórdão n.º 546/11), não exclui o reconhecimento da existência de domínios da normação em que, pela natureza da matéria regulada, o Tribunal Constitucional pode ser chamado a exercer um controlo de maior intensidade. Para além das hipóteses de tratamento diferenciado baseado no sexo, raça, língua, religião e demais ‘categorias suspeitas’ identificadas no artigo 13.º da Constituição – relativamente às quais vale uma proibição tendencialmente absoluta de discriminação –, domínios há em que, pela natureza das posições afetadas, a averiguação da viabilidade constitucional do estabelecimento de diferenciações entre grupos ou categorias de sujeitos postulará um escrutínio mais rigoroso ou um controlo mais intenso das escolhas realizadas pelo legislador, quer quanto ao seu fundamento, quer quanto à sua dimensão ou medida. Sempre que assim suceder, a possibilidade de uma censura baseada no princípio da igualdade não dependerá da ausência evidente de um qualquer fundamento ou motivo objetivo, que se afigure compreensível face à ratio do regime questionado. Ao invés, a conclusão de que determinada lei é arbitrária apenas será evitada em presença de um fundamento razoável, suscetível não apenas de tornar racionalmente inteligível a opção por um tratamento desigual, como ainda de assegurar a adequação ou razoabilidade da medida da diferença que é imposta, face ao fundamento invocado. Seja qual for o exato recorte deste domínio ou o preciso ponto em que a sua fronteira deva ser em definitivo traçada, é dado assente que a densidade do escrutínio postulado pelo princípio da igualdade, para além de grada- tiva, deverá ser tanto mais intensa quanto mais inequívoca for a jusfundamentalidade das posições atingidas pelo tratamento desigual. Ou, inversamente, tanto menos intensa quanto mais exclusiva se revelar a ligação da medida questionada ao espectro das escolhas políticas inerentes à definição do interesse público e/ou à seleção dos meios adequados para o concretizar.» Deste modo, tendo em conta o potencial diferenciador da norma questionada e ainda a matéria sobre a qual a mesma incide – o direito fundamental à prova ínsito no direito à tutela jurisdicional efetiva –, o que importa verificar em face do artigo 13.º da Constituição é se dela efetivamente resulta um tratamento desi- gual para as duas categorias de sujeitos implicadas – os lesados em consequência de acidentes de automóveis (“grupo alvo”) e os demais lesados (“par comparativo”) – e, na medida em que essa diferença ocorra de facto,

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