TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

464 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL se a mesma não dispõe, seja quanto ao critério que lhe subjaz, seja quanto à extensão em que surge concreti- zada, de um fundamento material razoável (cfr. o Acórdão n.º 157/18). Com efeito: «Verificar se existe um tratamento desigual implica, neste como em todos os casos, um processo de comparação entre as situações ou categorias postadas (“par comparativo” e “grupo alvo”) em face de um termo de compara- ção – o “terceiro (elemento) da comparação” –, que corresponde “à qualidade ou característica que é comum às situações ou objetos a comparar” (cfr. Acórdão n.º 362/16). E implica também que tal comparação seja levada a cabo tomando em consideração a ratio do tratamento jurídico a que cada uma das categorias ou situações em com- paração é submetida: conforme se escreveu no Acórdão n.º 232/03, “ ‘[e]stando em causa (...) um determinado tratamento jurídico de situações, o critério que irá presidir à qualificação de tais situações como iguais ou desiguais é determinado diretamente pela ratio do tratamento jurídico que se lhes pretende dar, isto é, é funcionalizado pelo fim a atingir com o referido tratamento jurídico […]’ (cfr. Princípio da igualdade: fórmula vazia ou fórmula ‘car- regada’ de sentido?, sep. do Boletim do Ministério da Justiça, n.º 358, Lisboa, 1987, p. 27)”; a ratio do tratamento jurídico apresenta-se, por isso, como “(…) o ponto de referência último da valoração e da escolha do critério”» relevante para a formulação do juízo a que enseja o princípio da igualdade ( idem )”.» (Acórdão n.º 157/18) 16. A opção diferenciadora relativamente aos lesados na sequência de um acidente de viação concre- tizada no artigo 64.º, n.º 7, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, traduz-se, como mencionado, numa restrição ao direito à tutela jurisdicional efetiva – cerceando a possibilidade de demonstrar em juízo que se tem razão quanto à alegação de um certo dano, impedindo, desse modo, que o tribunal possa chegar a uma apreciação exata da realidade fáctica – e visa prosseguir diversos objetivos com relevância constitucional (cfr. supra os n. os 7 e 9, respetivamente). Contudo, as razões justificativas de tal restrição, porventura com a exceção do caráter massivo da liti- giosidade associada aos acidentes de viação, são válidas para a generalidade dos casos em que esteja em causa o apuramento do rendimento mensal de um qualquer lesado no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais a atribuir a título de responsabilidade civil extracontratual. As questões da celeridade processual, da objetividade e previsibilidade da decisão judicial e, bem assim, do respeito pela “ética de cumprimento fiscal” colocam-se com não menor acuidade nos demais casos de determinação do valor dos rendimentos auferidos para efeitos de cálculo do quantum indemnizatório por danos patrimoniais. Por outro lado, não só a situação subjetiva de lesado no que respeita ao dano real sofrido não é diferente consoante a causa da lesão ou o âmbito social em que a mesma ocorre – acidentes de viação ou acidentes de outra natureza –, como o mesmo lesado é totalmente alheio à determinação do âmbito em que é vítima do acidente. Deste modo, torna-se questionável a opção diferenciadora concretizada no aludido preceito do Decreto- -Lei n.º 291/2007, seja quanto ao critério que lhe subjaz, seja quanto à extensão – a limitação probatória referida – em que surge concretizada. Na verdade, face aos fundamentos invocados, não se vislumbra que os mesmos suportem em termos razoáveis a diferença de tratamento estatuída. A diminuição da litigiosidade e consequente alívio dos tribunais, por si só, não se mostra apta a justificar uma tão intensa diferenciação rela- tivamente ao direito fundamental à prova entre os dois grupos de lesados considerados. Tal desiderato, em si mesmo legítimo e prima facie legitimador de medidas diferenciadoras promotoras de uma maior eficiência, não pode ser prosseguido por via da imposição de limitações aos direitos fundamentais de pessoas que, por razões alheias à sua vontade, integram universos subjetivos de grande dimensão (os lesados em consequência de acidentes de viação) por comparação com outros universos mais pequenos integrados por pessoas em circunstâncias idêntica (os lesados em consequência de acidentes de outra natureza). Assim, a discriminação negativa do lesado em consequência de acidente causado pela circulação de veículo terrestre a motor em causa não se mostra materialmente fundada, sendo por isso mesmo arbitrária.

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