TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
469 acórdão n.º 566/18 que praticaram os atos concretizadores do ilícito correspondente à contraordenação cria para a arguida ora recorrente uma situação de indefesa; o modelo de imputação de factos ilícitos a pessoas coletivas é um domínio em que as especificidades da personalidade jurídica coletiva impedem uma equiparação com a realidade homóloga das pessoas singulares; em qualquer caso, aquele modelo, com base na prática de factos por pessoas singulares ao serviço da pessoa coletiva e no interesse desta última, permite que lhe sejam imputados como próprios factos ilícitos de que ela se pode defender nos termos gerais. VIII - No tocante à relevância do princípio do Estado de direito democrático neste domínio, verifica-se que tal princípio, além de constituir fonte de outros subprincípios aplicáveis ao direito sancionatório público em geral, exige garantias mínimas de previsibilidade quanto ao que é ou não é proibido; ora, a aplicação dos artigos 50.º e 58.º do RGCO e do artigo 283.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na interpretação ora sindicada, releva do direito processual de defesa, e não da segurança jurídica inerente à determinabilidade do conteúdo das proibições; o problema atinente a esta última poderia eventualmente colocar-se em relação à interpretação extensiva do artigo 7.º, n.º 2, do RGCO, con- tudo, além de a questão não ter sido suscitada pela recorrente – e, portanto, não integrar o objeto do presente recurso –, pelas razões anteriormente expostas, este Tribunal também não vê razões que justifiquem uma desconsideração nesta sede de fiscalização concreta da constitucionalidade da refe- rida interpretação. IX - Subjaz à invocação pela recorrente da violação das diversas dimensões do direito a um processo equi- tativo – e o mesmo vale em relação às garantias fundamentais de defesa e presunção de inocência – a alegação de que, por causa da omissão de indicação das pessoas singulares que praticaram os factos em que se traduziu o apoio (ilegal) aos GOA, a pessoa coletiva ora recorrente ficou impossibilitada de conhecer e de contraditar esses mesmos factos; porém, tais factos, no que se refere à concretização do tipo contraordenacional, foram descritos na acusação e na decisão administrativa e dados como provados nos autos, e por resultarem numa utilização coordenada do estádio e de serviços nele pres- tados – só possível com o assentimento da recorrente enquanto domina das infraestruturas –, são por isso mesmo necessariamente do seu conhecimento, pelo que a indicação de todas e cada uma das pessoas singulares que neles intervieram, em nada poderia alterar a imputação desses factos à recorrente; pela sua natureza, essa factualidade – concretamente o respetivo resultado que se traduz no apoio aos GOA em causa – constitui um facto próprio da pessoa coletiva, que, enquanto tal, esta não pode desconhecer. X - As atuações dadas como assentes na decisão administrativa condenatória são condição suficiente da respetiva imputação, enquanto atos próprios, à pessoa coletiva; a omissão da indicação das pessoas singulares que concretamente intervieram nesses factos não impede o conhecimento dos mesmos, na parte relevante para efeitos de preenchimento do tipo contraordenacional – as diversas moda- lidades de apoio aos GOA –, por parte da pessoa coletiva ao serviço da qual as primeiras agiram, nada havendo de estranho ou ilegítimo na circunstância de a decisão administrativa condenatória se limitar a descrever tais factos e a imputá-los, enquanto factos próprios, à pessoa coletiva ora recorrente, sem indicar as concretas pessoas singulares que, ao serviço desta última, praticaram os mesmos factos.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=