TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

476 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL restritivas dos seus direitos constitui o fundamento primeiro da possibilidade de aplicação de sanções, e, também, a garantia de que à própria pessoa será concedida a possibilidade de influir num determinado processo sancionatório. § 66. O Acórdão recorrido, ao aplicar as normas dos artigos 50.º e 58.º do RGCO e 283.º, n.º 3, do Código de Processo Penal no sentido agora sob sindicância, prescindiu da efetivação dos direitos de Defesa e de funda- mentação de decisões condenatórias, limitando-os a um mero formalismo que impede o arguido de se defender cabalmente de qualquer imputação. § 67. O direito a um processo justo e equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa) impõe a concessão de meios efetivos de defesa, materializando-se em exigências de (tendencial) igualdade de armas e de presunção de inocência – tudo postulados constitucionais que acabam por ser restringidas quando, no âmbito de um processo contraordenacional, se admite que seja proferida decisão condenatória que aplique coimas sem que a mesma indique concretos factos praticados por pessoas singulares representantes da, ou que vinculam a pessoa coletiva. § 68. Ora, a possibilidade de apresentar uma Defesa e influir no processo decisório é comprometida quando ao arguido é comunicada uma acusação e, posteriormente, proferida uma decisão omissas quanto a factos por si praticados ou omitidos, rectius , estando em causa uma pessoa coletiva, quanto a factos que identifiquem as pessoas singulares que atuaram (e como atuaram) em nome dessa mesma pessoa coletiva. § 69. A encarnação da pessoa coletiva pressupõe a intervenção de uma pessoa física, sendo que é a partir dessa indicação que se apurará a materialidade da infração e, bem assim, o nexo entre essa pessoa singular e a esfera jurídica da pessoa coletiva. § 70. A prevalecer a norma aplicada pelo Acórdão recorrido, esta situação traduz a concretização de um expe- diente arbitrário: um arguido pessoa coletiva é acusado sem que lhe sejam assacados quaisquer factos; um arguido pessoa coletiva é condenado mesmo quando de nenhum facto se extrai um seu representante, ou alguém em seu nome, a agir contra o comando normativo. § 71. Este Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 395/03, perfilhou este entendimento: «[o] ente coletivo não será responsabilizado por factos de terceiro, mas sim por factos praticados por um elemento da sua organiza- ção, atuando em seu nome e no seu interesse e sem desrespeitar ordens ou instruções de “quem de direito”». § 72. É igualmente indissociável de uma concretização elementar de um processo justo e equitativo um ónus de fundamentação de decisões condenatórias, que visa diferentes finalidades, entre as quais, o conhecimento da mate- rialidade objetiva da infração, a revelação do circunstancialismo do caso concreto e a possibilidade cabal de recurso. § 73. Ora, o Tribunal recorrido, ao aceitar uma decisão condenatória omissa quanto a factos empíricos pratica- dos pelo infrator – o que sempre pressuporia identificar a pessoa singular que vinculou a pessoa coletiva arguida, e o seu concreto comportamento –, acaba por se eximir de concretizar estas exigências, mantendo obscura a concreta materialidade da infração. § 74. As garantias fundamentais de defesa (artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa) não são conciliáveis com uma norma aplicada no sentido de que um arguido pessoa coletiva possa ser acusado ou condenado sem que desse libelo ou decisão conste um qualquer facto que identifique a pessoa física e a sua atuação que, em representação e/ou no interesse daquela pessoa coletiva, tenha redundado na prática de atos típicos da norma sancionatória. § 75. Também o princípio da presunção de inocência, indissociável dimensão das garantias de Defesa com fun- damento primeiro na dignidade da pessoa humana, abrange o princípio in dubio pro reo e o princípio da proibição das presunções de culpa. § 76. Estes normativos constitucionais vedam a condenação de qualquer arguido perante non liquet sobre a prática do ilícito, proibindo também presunções de responsabilidade alheias a considerações subjetivas ínsitas com o princípio da dignidade da pessoa humana (veja-se o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 206/97). § 77. O Acórdão recorrido, ao desligar das normas dos artigos 50.º e 58.º do RGCO e 283.º, n.º 3, do Código de Processo Penal a incidência dos princípios constitucionais de Defesa do arguido e da presunção de inocência, com todos os corolários aí implicados, acabou por aceitar e confirmar uma condenação proferida sem qualquer

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