TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

480 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 6. No que respeita à primeira questão de constitucionalidade: «em decisão condenatória proferida na fase administrativa de processo contraordenacional podem ser considerados e valorados elementos de prova produzidos após o exercício do direito de defesa do arguido, sem que os mesmos tenham sido objeto de comunicação ao arguido, nem sequer de a este ter sido dada a possibilidade de exercer o respetivo direito ao contraditório» (artigos 50.º e 58.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, adiante referido sim- plesmente como “RGCO”, aplicáveis ex vi artigo 45.º do RVED – ou seja, o diploma legal que estabelece o regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos). O recurso carece de utilidade, uma vez que o tribunal a quo não aplicou os referidos preceitos, na dimensão sindicada pela recorrente, enquanto ratio decidendi do seu acórdão. Conforme resulta deste último, o Tribunal da Relação de Guimarães, ao apreciar a nulidade da deci- são administrativa invocada pela ora recorrente, com fundamento na utilização de prova produzida após a apresentação da defesa, depois de proceder ao enquadramento jurídico da questão, designadamente à luz do entendimento do artigo 50.º do RGCO estabelecido por «um Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Fixação de Jurisprudência, com o n.º 1/2003 [– o Assento n.º 1/2003, publicado no Diário da República , 1.ª série-A, de 25 de janeiro de 2003 –], refere o seguinte (cfr. fls. 1561): «Efetivamente, resulta dos autos que a arguida quando notificada para exercer o seu direito de defesa, teve conhe- cimento de todo o objeto do processo, de todos os factos em causa, da imputação objetiva e subjetiva dos mesmos e, de todos os meios de prova, que aliás constam dos autos de notícia lavrados pelas competentes autoridades. A circunstância de a autoridade administrativa ter efetuado inquirições complementares, porque nada acres- centaram ao objeto do processo contraordenacional, não tendo implicado qualquer alteração substancial ou não substancial dos factos integrantes do mesmo objeto processual, de nenhuma forma afetam qualquer direito da defesa do arguido, porquanto a defesa por si apresentada já abrange tais factos, ou seja, não resulta dos autos, nem tal é expressamente alegado pelo arguido, qualquer prejuízo para o exercício da sua defesa resultante de tais inquirições complementares, pois o objeto do processo, os meios de prova, encontravam-se estabilizados aquando do exercício do seu direito de defesa. As inquirições efetuadas não implicaram qualquer alteração do objeto do processo ou dos meios de prova, cons- tantes dos autos, quando o arguido foi notificado para exercer o seu direito constitucionalmente garantido de defesa.». Por outras palavras, o tribunal a quo extraiu dos artigos 50.º e 58.º do RGCO um sentido normativo con- trário àquele que a recorrente pretende sindicar. De acordo com tal interpretação normativa, a decisão admi- nistrativa condenatória só pode considerar e valorar elementos de prova sobre os quais o arguido tenha tido a oportunidade de se pronunciar. Daí a conclusão alcançada na decisão recorrida: «foi integralmente dado cumprimento ao disposto no artigo 50.º do RGCO, porquanto foi proporcionado ao arguido a possibilidade de se pronunciar sobre a coima que eventualmente lhe seria aplicada, bem como lhe foram fornecidos todos os elementos necessários para que ficasse a conhecer objetivamente a totalidade dos aspetos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, sendo que as posteriores inquirições, porque não relevantes para a decisão de facto e de direito, não são suscetíveis de constituir qualquer nulidade, nos termos do citado artigo 50.º do RGCO, ou de qualquer [modo] não respeitarem a Jurisprudência fixada pelo Acórdão de Fixação de Jurisprudência com n.º 1/2003, de 16 de outubro de 2003» (fls. 1561-1562; itálicos acrescentados). Na verdade, entre outras considerações, o tribunal fez assentar o seu juízo no sentido de não ocorrer a nulidade da decisão administrativa impugnada tão-somente na circunstância de os referidos elementos de prova (neste caso, as inquirições complementares) não serem relevantes para a mesma decisão e, portanto, também não serem por ela «considerados e valorados». Deste modo, conclui-se que o presente recurso é, nesta parte, inútil, uma vez um eventual juízo de inconstitucionalidade sobre a norma questionada pela recorrente manteria incólume a decisão recorrida.

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