TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

487 acórdão n.º 566/18 seguinte norma, extraída do artigo 283.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, aplicável por força dos artigos 41.º, n.º 1, do RGCO e 45.º do RVED, e dos artigos 50.º e 58.º do RGCO, também aplicáveis por força do mesmo artigo 45.º: em decisão condenatória proferida na fase administrativa de processo contraordenacional não carecem de ser indicadas as pessoas singulares representantes da pessoa coletiva infratora e responsáveis pelas infrações (vide ibidem ). Os parâmetros constitucionais alegadamente violados são a garantia de um processo justo e equitativo, o princípio da presunção de inocência e, ainda, as garantias de defesa constitucio- nalmente garantidas em processo contraordenacional consagrados nos artigos 1.º, 2.º, 18.º, n. os 1 e 2, 20.º, n.º 4, e 32.º, n.º 10, da Constituição, na medida em que o referido entendimento implicaria a possibilidade de ser proferida decisão condenatória sem nunca se indicarem as concretas pessoas singulares que atuaram ili- citamente, o que, consequentemente, impediria a imputação dos respetivos comportamentos ilícitos à esfera da pessoa coletiva. Em sede de alegações, a recorrente acrescentou, como parâmetros autónomos, a dignidade da pessoa humana e o princípio do Estado de direito democrático (vide as respetivas conclusões, §§ 61-65). 11. A questão de inconstitucionalidade suscitada é indissociável de uma alegada «deficiente imputação de responsabilidade contraordenacional à pessoa coletiva, face à falta de concretização de pessoas singulares que agiram em sua representação» (cfr. fls. 1575). Por ser assim, a mesma questão assenta num certo entendimento quanto ao modelo de imputação con- sagrado no artigo 7.º, n.º 2, do RGCO – preceito segundo o qual as pessoas coletivas «serão responsáveis pelas contraordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções». O referido entendimento é o de que este último preceito prevê uma imputação autónoma ou direta da infração à pessoa coletiva, pelo que não é necessária a identificação concreta do agente singular que cometeu a infração para que a mesma seja imputável à pessoa coletiva. E, assim sendo, «as pessoas singulares representantes da pessoa coletiva infratora e responsáveis pelas infrações» não têm de ser indicadas na decisão condenatória proferida na fase administrativa do processo. É isso mesmo que resulta do acórdão recorrido: «Como bem se assinala na sentença recorrida, “a jurisprudência e a doutrina têm entendido que o preceito do n.º 2 do artigo 7.º do Regime Geral das Contraordenações deve ser interpretado extensivamente de modo a incluir os trabalhadores, os administradores e gerentes e os mandatários ou representantes da pessoa coletiva ou equiparada, desde que atuem no exercício das suas funções ou por causa delas ”. O que a lei pretende excluir é a responsabilidade da pessoa coletiva, quando não for possível imputar a con- traordenação a um agente singular que praticou o facto contraordenacional, na medida em que se exige sempre um nexo de imputação do facto a um elemento da pessoa coletiva, daí o carácter dependente da punição do ente coletivo à punição da pessoa física. A lei exige que a contraordenação seja cometida por um agente singular que ocupe uma posição de liderança ou por um agente singular subordinado – em virtude da violação dos deveres de vigilância ou controlo por parte daqueles [–], caso contrário, se não for possível imputar o crime a um órgão, a um representante ou a uma pessoa singular, não existirá imputação de tal conduta à pessoa coletiva. Assim, embora a responsabilidade das pessoas coletivas seja uma responsabilidade por facto e culpa própria , é a partir do facto e da culpa do agente que se há de configurar a responsabilidade das pessoas coletivas. A lei não consagrou um critério de imputação autónomo quanto aos agentes individuais, na medida que, não raras vezes, não é possível identificar a pessoa singular que ocupa uma posição de liderança, quem viola os deveres de vigilância ou controlo ou, quem efetivamente pratica o facto. Sendo suficiente à luz do efetivo modo de funcionamento da pessoa coletiva e das circunstâncias do caso con- creto, que se possa conectar a prática desse facto com o desempenho de um papel de liderança e com o exercício de um domínio da organização para a sua execução por parte da pessoa jurídica , através dos seus titulares de órgão, represen- tantes ou líderes, bastando a identificação funcional, não da pessoa individual, mas do líder para determinar a sua autoria e, então, a imputação do facto à pessoa coletiva.

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