TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
489 acórdão n.º 566/18 Outros agentes houve (caso das testemunhas […]) que asseguraram existir, no interior do estádio AXA, espa- ços próprios para os GOA guardarem tintas, pincéis e faixas plásticas. A testemunha […] localizou, inclusive, um desses anexos, situando-o, à data dos factos, por baixo de uma das bancadas. Last, but not least , […], Diretor-geral de A. SAD, foi visto, como consta de matéria de facto provada, a entregar bandeiras de grandes dimensões ao GOA “…”, o que, de resto, foi por ele assumido em audiência de julgamento, escudando-se no facto de entregar bandeiras a todos os adeptos, argumento que é falacioso, pois não entrega, certamente, ao adepto “comum” bandeiras com as dimensões daquelas que são retratadas nas fotografias que se encontram junto aos autos. É, na verdade, difícil ter mais prova do que esta quando se tem o próprio Diretor-geral de uma SAD a fazer ele próprio a entrega de material especificamente destinado às denominadas “claques”» (itálicos acrescentados). 12. No domínio da fiscalização concreta da constitucionalidade, a interpretação do direito infracons- titucional feita pelo tribunal recorrido é, em princípio, vinculativa para o Tribunal Constitucional, já que a este compete «julgar inconstitucional ou ilegal a norma que a decisão recorrida, conforme os casos, tenha aplicado ou a que haja recusado aplicação» (artigo 79.º-C da LTC). No entanto, tal não impede o Tribunal Constitucional, se assim o entender justificadamente, de se afastar da interpretação acolhida pela decisão recorrida, e de a substituir por outra, desde que conforme à Constituição (cfr. o artigo 80.º, n.º 3, da LTC). Com efeito, tal possibilidade é inerente à natureza jurisdicional do Tribunal Constitucional e assegura que a função depuradora própria da fiscalização concreta da constitucionalidade a seu cargo se exerça sobre normas de direito infraconstitucional resultantes de interpretações não unilaterais e, tanto quanto possível, partilha- das pela generalidade dos tribunais. No caso sub iudicio , sem prejuízo da discussão doutrinária no plano infraconstitucional, inexistem razões para questionar a interpretação extensiva do artigo 7.º, n.º 2, do RGCO realizada pelo tribunal a quo. Na verdade, a mesma filia-se na orientação preconizada pelo Parecer n.º 11/2013 do Conselho Consul- tivo da Procuradoria-Geral da República (publicado no Diário da República , 2.ª série, de 16 de setembro de 2013, pp. 28814 e segs.) – o qual, por sua vez, se baseia em anteriores decisões dos tribunais. Acresce que o termo “órgão”, do ponto de vista conceptual, não está necessariamente associado a um centro autónomo e institucionalizado de poderes funcionais – a uma realidade institucional ou estatutária (sobre as diferentes conceções a respeito da natureza de órgãos, vide, por exemplo, Freitas do Amaral, Curso de Direito Admi- nistrativo, vol. I, 4.ª edição, Almedina, Coimbra, 2015, pp. 624 e segs.). Por isso mesmo, são descortináveis diversas definições legais de “órgão”, consoante os fins concretamente visados pelo diploma em que as mes- mas se inserem [vide, a título meramente exemplificativo: o artigo 20.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo – «centros institucionalizados de poderes e deveres para efeitos da prática de atos jurídicos imputáveis à pessoa coletiva» –; e o artigo 1.º, alínea c) , do Código de Processo Penal – «entidades e agentes policiais a quem caiba levar a cabo quaisquer atos ordenados por uma autoridade judiciária ou determinados por este Código»]. Na perspetiva material da atividade dos entes coletivos (por contraposição à perspetiva da sua estrutura organizatória) – que é aquela que releva a propósito da imputação de condutas individuais a uma pessoa coletiva –, pode entender-se o órgão como o indivíduo cuja atuação é imputada ao ente coletivo. Estando em causa uma conduta correspondente a uma declaração de vontade, é evidente que as regras estatutárias sobre os processos deliberativos internos tendem a assumir maior relevância (cfr. a mencionada definição legal constante do artigo 20.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo). Mas, tratando-se de simples atuações materiais, nada obsta a que a imputação se fundamente com base numa atuação em nome do ente coletivo e no seu interesse (representante) ou na circunstância de o mesmo indivíduo dispor no âmbito de tal ente de autoridade ou de uma posição de liderança para controlar a respetiva atividade. Nessa medida, faltando uma definição legal própria aplicável no domínio específico do RGCO, e abs- traindo de argumentos teleológicos e outros argumentos sistemáticos (por exemplo, uma maior adequação ao princípio da equiparação consignado no artigo 7.º, n.º 1, do RGCO), não se pode ter por absolutamente
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