TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
49 acórdão n.º 428/18 11. Foi este regime, então previsto pelo artigo 77.º da Lei do Orçamento do Estado para 2014, e repro- duzido na norma do artigo 80.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2015), que veio a ser declarado inconstitucional, com força obrigatória geral, por violação do princípio da proteção da confiança, ínsito no artigo 2.º da Constituição (Acórdão n.º 3/16). Na análise do primeiro requisito para uma tutela constitucional com base no princípio da proteção da confiança, o Tribunal sublinhou que as subvenções em pagamento nunca foram pacificamente consideradas um direito imune a mudanças legislativas de sentido restritivo ou até revogatório. Pelo contrário, conforme se sublinhou, as sucessivas alterações legislativas desde a consagração da subvenção mensal vitalícia até à (então) atualidade foram no sentido de restringir os requisitos de atribuição da subvenção vitalícia e, mais tarde, de eliminá-la por completo para o futuro. Neste contexto, considerando que o direito à perceção de uma subvenção mensal vitalícia, por parte de ex-titulares de cargos políticos e outros altos cargos públicos legalmente equiparados, não consubstanciava remuneração ou pensão, o Tribunal entendeu que o mesmo não gozava da proteção constitucional própria dos direitos fundamentais. Vale a pena recordar o que, a tal propósito, se escreveu no Acórdão n.º 3/16: «Tendo em conta tudo quanto se expôs, não parece que o comportamento do legislador tenha contribuído para a formação, por parte dos potenciais beneficiários, de expetativas fundadas na intangibilidade ou na subsistência inalterada do regime jurídico das subvenções em pagamento. Pelo contrário, as sucessivas alterações legislativas deveriam ter alertado os afetados pelas normas cuja constitucionalidade aqui se escrutina para a precariedade desse regime, já que as subvenções vitalícias, não sendo um elemento constitucionalmente imposto ao estatuto dos titu- lares de cargos políticos, nem consubstanciando uma concretização necessária de um direito fundamental, não são imunes à possibilidade de uma reconfiguração legislativa com alcance redutor do círculo dos beneficiários e dos montantes das prestações. Este último aspeto é, aliás, de extraordinária relevância para a presente análise: a subvenção vitalícia dos ex- -titulares de cargos políticos não constitui uma dimensão concreta, nem do direito constitucional ao salário, nem do direito à segurança social. Por outras palavras: não é, na sua específica caracterização, nem remuneração, nem pensão, não gozando, por isso, da proteção constitucional conferida a estes dois tipos de rendimento. Representa antes um puro benefício, que, por razões específicas, válidas num certo contexto histórico, o legislador entendeu atribuir a uma categoria de sujeitos e cuja resistência às alterações legislativas são seguramente mais ténues. Nas ponderações a efetuar, à luz dos princípios constitucionais pertinentes, a afetação da posição resultante do perce- bimento dessa subvenção não pode, designadamente, ser tratada como se estivesse em causa uma lei restritiva de direitos fundamentais, com as exigências daí decorrentes». Daqui não se seguia, porém, que o primeiro requisito da tutela constitucional da confiança não se encontrava verificado. É que, conforme se sublinhou no Acórdão, se os particulares afetados não poderiam ter «expectativas fundadas» quanto à inalterabilidade do regime das subvenções em pagamento, já teriam toda a expectativa de que tais subvenções não mudassem de «natureza», porque nesse sentido tinha ido, até então, todo o «comportamento» legislativo. Ora, ao fazer depender a atribuição da subvenção de uma condição de recursos, por força da qual a determinação do rendimento relevante para efeitos de atribuição ou suspensão da prestação ficaria depen- dente (também) do rendimento do agregado familiar do beneficiário da subvenção − deixando de assentar exclusivamente no rendimento do ex-titular do cargo político −, a norma do artigo 80.º descaracterizaria a sua natureza. Conforme igualmente se destaca na decisão, todas as mudanças legislativas entretanto ocorridas tinham preservado o elemento de pessoalidade característico desta prestação, tratando sempre as subvenções como contrapartida de um sacrifício traduzido na entrega pessoal à causa pública. Essencial para a declaração de inconstitucionalidade foi, como é bom de ver, a adulteração do elemento pessoal – a consideração exclusiva de rendimentos do próprio beneficiário da subvenção –, resultante da
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=