TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
492 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL recorrente uma situação de indefesa (vide, em particular, os §§ 62 e 65-66 das conclusões das suas alegações de recurso). De todo o modo, afigura-se deslocada a invocação da instrumentalização no sentido proscrito pela chamada “fórmula do objeto” de Günter Dürig – «a dignidade humana é atingida quando o ser humano em concreto é degradado [ herabgewürdigt ] a objeto, a um simples meio, a uma realidade substituível» (cfr. o Acórdão n.º 225/18) –, a propósito dos direitos de uma pessoa coletiva arguida por força de imputações formuladas ao abrigo da mencionada interpretação extensiva do artigo 7.º, n.º 2, do RGCO (cfr. o § 63 das mesmas conclusões: «[t]al utilização do arguido [– a sua instrumentalização a desígnios punitivos –], enquanto meio e não enquanto fim, é violadora do princípio da pessoa humana, que impõe o tratamento da pessoa como um fim em si»). A personalidade jurídica coletiva tem um caráter instrumental – serve os interesses das pessoas singulares –, razão pela qual as pessoas coletivas só podem ser titulares dos direitos com- patíveis com a sua natureza (ou que, pela sua natureza institucional, sejam específicos desse tipo de pessoas; cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, anotação V ao artigo 12.º, p. 210). Nesse sentido, afirmou-se no Acórdão n.º 279/09: «O legislador constitucional português consagrou as pessoas coletivas de direito privado como sujeitos titulares de direitos (e deveres) fundamentais. Efetivamente, o direito fundamental dos cidadãos constituírem associações e sociedades seria desprovido de eficácia se as novas entidades jurídicas assim criadas não fossem também constitucionalmente tuteladas no plano dos direitos fundamentais. Por isso, nos termos do n.º 2, do artigo 12.º da Constituição, “as pessoas coletivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza”. De acordo com esta norma constitucional, as pessoas coletivas não são equiparadas às pessoas singulares. Na verdade, “as pessoas coletivas só têm os direitos compatíveis com a sua natureza, ao passo que as pessoas singulares têm todos os direitos, salvo os especificamente concedidos apenas a pessoas coletivas ( v. g. , o direito de antena). E tem de reconhecer-se que, ainda quando certo direito fundamental seja compatível com essa natureza e, portanto, suscetível de titularidade ‘coletiva’ ( hoc sensu ), daí não se segue que a sua aplicabilidade nesse domínio vá operar exatamente nos mesmos termos e com a mesma amplitude com que decorre relativamente às pessoas singulares” (Cfr. Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, pág. 113, da edição de 2005, da Coimbra Editora).» O modelo de imputação de factos ilícitos a pessoas coletivas é justamente um domínio em que as especificidades da personalidade jurídica coletiva impedem uma equiparação com a realidade homóloga das pessoas singulares. Em qualquer caso, e conforme mencionado (cfr. supra o n.º 11) aquele modelo, com base na prática de factos por pessoas singulares ao serviço da pessoa coletiva e no interesse desta última, permite que lhe sejam imputados como próprios factos ilícitos de que ela se pode defender nos termos gerais. No tocante à relevância do princípio do Estado de direito democrático neste domínio, verifica-se que tal princípio, além de constituir fonte de outros subprincípios aplicáveis ao direito sancionatório público em geral, exige garantias mínimas de previsibilidade quanto ao que é ou não é proibido. Nessa linha, considerou-se no Acórdão n.º 466/12 (seguindo jurisprudência anterior, com particular destaque para o Acórdão n.º 41/04): «A determinabilidade do conteúdo de proibições cujo desrespeito é sancionado com uma coima é um pres- suposto da existência de uma relação equilibrada entre Estado e cidadão. Na verdade, essa exigência é um fator de garantia da proteção da confiança e da segurança jurídica, uma vez que o cidadão só pode conformar autonoma- mente as suas condutas se souber qual a margem de ação que lhe é permitida e quais as reações do Estado aos seus comportamentos.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=