TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
493 acórdão n.º 566/18 E se a menor danosidade da sanção das contraordenações (as coimas), que nunca afetam o direito à liberdade, conjuntamente com a necessidade de prosseguir finalidades próprias da ordenação da vida social e económica, as quais são menos estáveis e dependem, muitas vezes, de políticas sectoriais concretas, permitem uma aplicação mais aberta e maleável do princípio da tipicidade, comparativamente ao universo penal, o caráter sancionatório e a espe- cial natureza do ilícito contraordenacional não deixam de exigir um mínimo de determinabilidade do conteúdo dos seus ilícitos. Uma vez que nas contraordenações a proibição legal assume especial importância na valoração como ilícitas de condutas de ténue relevância axiológica, a sua formulação tem que necessariamente constituir uma comunicação segura ex‑ante do conteúdo da proibição aos seus destinatários.» Ora, como a própria recorrente expressamente reconhece no § 66 das conclusões das suas alegações, a aplicação dos artigos 50.º e 58.º do RGCO e do artigo 283.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na interpretação ora sindicada, releva do direito processual de defesa, e não da segurança jurídica inerente à determinabilidade do conteúdo das proibições. O problema atinente a esta última poderia eventualmente colocar-se em relação à interpretação extensiva do artigo 7.º, n.º 2, do RGCO sufragada pelo tribunal a quo. Contudo, além de a questão não ter sido suscitada pela recorrente – e, portanto, não integrar o objeto do presente recurso –, a verdade é que, pelas razões anteriormente expostas, este Tribunal também não vê razões que justifiquem uma desconsideração nesta sede de fiscalização concreta da constitucionalidade da referida interpretação (cfr. supra o n.º 12). 15. O direito a um processo equitativo exige «a conformação do processo de forma materialmente ade- quada a uma tutela jurisdicional efetiva» (vide Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, anot. XI ao art. 20.º, p. 415). Decerto que as diversas dimensões referidas pela recorrente nos §§ 67 a 73 das conclusões das suas alegações concorrem para esse resultado. Porém, subjaz à invocação pela recorrente da violação de cada uma delas – e o mesmo vale em relação às invocadas garantias fundamentais de defesa ( ibidem , § 74) e presunção de inocência ( ibidem , §§ 75 a 78) – uma alegação que já se demonstrou não ser exata: a de que, por causa da omissão de indicação das pessoas singulares que praticaram os factos em que se traduziu o apoio (ilegal) aos GOA, a pessoa coletiva ora recor- rente ficou impossibilitada de conhecer e de contraditar esses mesmos factos. Na verdade, como referido supra no n.º 13, tais factos, no que se refere à concretização do tipo contraordenacional, foram descritos na acusação e na decisão administrativa e dados como provados nos autos. E os mesmos factos, por resultarem numa utilização coordenada do estádio e de serviços nele prestados – só possível com o assentimento da recorrente enquanto domina das infraestruturas –, são por isso mesmo necessariamente do seu conheci- mento. Nessa medida, a indicação de todas e cada uma das pessoas singulares que neles intervieram, em nada poderia alterar a imputação desses factos à recorrente. Pela sua natureza, essa factualidade – concretamente o respetivo resultado que se traduz no apoio aos GOA em causa – constitui um facto próprio da pessoa cole- tiva, que, enquanto tal, esta não pode desconhecer. Em suma, as atuações dadas como assentes na decisão administrativa condenatória são condição sufi- ciente da respetiva imputação, enquanto atos próprios, à pessoa coletiva. Por isso, a omissão da indicação das pessoas singulares que concretamente intervieram nesses factos não impede o conhecimento dos mesmos, na parte relevante para efeitos de preenchimento do tipo contraordenacional – as diversas modalidades de apoio aos GOA –, por parte da pessoa coletiva ao serviço da qual as primeiras agiram. Por isso, nada há de estra- nho ou ilegítimo na circunstância de a decisão administrativa condenatória se limitar a descrever tais factos e a imputá-los, enquanto factos próprios, à pessoa coletiva ora recorrente, sem indicar as concretas pessoas singulares que, ao serviço desta última, praticaram os mesmos factos.
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