TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
50 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL introdução da «condição de recursos» que, por ser própria das prestações do sistema de segurança social desti- nadas a assegurar mínimos de sobrevivência condigna, mandava tomar em consideração, além dos rendimen- tos do próprio, os rendimentos do seu agregado familiar. Assim se alterara o «comportamento do legislador», de uma forma com a qual os destinatários não podiam razoavelmente contar. Pode ler-se na fundamentação do Acórdão n.º 3/16: «O que sucede é que o comportamento do legislador ao longo do tempo – tornando embora mais exigentes as condições de atribuição da subvenção e reduzindo o seu montante – nunca pôs em causa a sua peculiar natureza, supra clarificada. Ora, a confiança dos beneficiários assentava precisamente neste aspeto: que o Estado manteria transitoriamente em vigor, para os beneficiários da prestação, um regime legal compatível com a sua natureza. Esta compatibilidade impunha que o Estado não desacautelasse a posição de quantos tivessem feito opções de vida com base na expectativa, não de que o regime das subvenções se manteria perpetuamente inalterado, mas de que, sendo modificado e, mesmo, restringido, não deixaria, a quem dele beneficiasse e enquanto durasse (e, por força da transitoriedade da vida humana, não durará muito), de respeitar a natureza específica daquelas. O novo regime, como se disse já, estabelece uma condição de recursos, condicionante da atribuição das sub- venções. E fá-lo por remissão para o regime constante do Decreto-Lei n.º 70/2010. Este, por sua vez, no artigo 3.º, manda tomar em consideração, como condição de atribuição, diversos rendimentos do requerente e do seu agregado familiar: rendimentos do trabalho dependente, rendimentos empresariais e profissionais, rendimentos de capitais, rendimentos prediais, pensões, prestações sociais e apoios à habitação com caráter de regularidade. E não só rendimentos, mas também o património do requerente e do seu agregado familiar, excluindo a atribuição da prestação quando este seja superior a 240 vezes o valor do indexante dos apoios sociais. A causa determinante do problema que nos ocupa radica precisamente na circunstância de o legislador ter mandado aplicar às subvenções vitalícias regras concebidas para prestações destinadas a fazer face a situações de carência, em que a condição de recursos faz todo o sentido. Ao determinar a aplicação de tais regras às subvenções vitalícias – que não têm, nem nunca tiveram, tal finalidade –, desvirtuaram-se inevitavelmente estas. Como se disse noutro ponto, estas subvenções, quando foram instituídas, apresentavam quatro características principais: eram vitalícias; apenas estavam condicionadas a um requisito positivo de atribuição; tinham natureza não contributiva; e o seu fundamento único residia na atividade exercida pessoalmente pelo beneficiário, prescin- dindo de quaisquer condicionantes relativas à situação civil, familiar ou outra, daquele. Ora, a contabilização de outros rendimentos do beneficiário e do seu agregado familiar constitui um elemento inovador no regime jurídico relativo a estas prestações, que as descaracteriza por completo. Com a nova configura- ção, constante das normas sob escrutínio, a subvenção mensal vitalícia perde a sua natureza de benefício atribuído aos ex-titulares de cargos políticos, em razão dos serviços prestados ao país e tendo em conta as especiais exigências e potenciais consequências, nos percursos de vida de cada um, do desempenho de determinadas funções, e passa a revestir a natureza de prestação não contributiva comum, visando, como as outras, tão-somente evitar que os seus beneficiários sofram uma situação de carência económica.» Prosseguindo na análise da verificação dos restantes requisitos da tutela da confiança − a saber: (i) que as expectativas criadas se apresentassem como legítimas, porque fundadas em boas razões, a avaliar no quadro axiológico jurídico-constitucional; e (ii) que o beneficiário da prestação tivesse orientado a sua vida e reali- zado investimentos com base na expectativa de manutenção de um determinado regime jurídico −, concluiu o Tribunal que também estes se encontravam verificados. Por último, o Tribunal entendeu que nenhum «contrapólo valorativo» poderia justificar a referida alte- ração do «comportamento legislativo», na medida em que, «considerando o orçamento no seu todo», a poupança de despesa pública alcançada por esta medida não seria «de grande monta», sendo certo ainda que os valores a afetar a tal rubrica iriam gradualmente reduzir-se, pela «fatal diminuição do número de bene- ficiários». Donde, não se descortinando qualquer interesse constitucionalmente protegido cuja salvaguarda
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