TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
505 acórdão n.º 604/18 artigos 2.º, 18.º, n.º 1 e 20.º (proibição da indefesa), não podendo, por tal motivo, ser aplicada (artigo 204.º da Constituição), neste sentido se pretendendo aferir junto desse Tribunal, se os princípios constitucionais se encontram respeitados. III. O Tribunal recorrido entendeu porém que não se verifica a apontada inconstitucionalidade, que a interpre- tação dos recorrentes, “não respeita a unidade do sistema jurídico e não tem na letra dos preceitos invocados, um mínimo de correspondência verbal…, contende com a lógica do sistema…, e se o legislador quisesse a solução preconizada pelos apelantes não legitimaria .... as partes sobrevivas a promoverem a habilitação.” IV. Os recorrentes, ao contrário, entendem que a sua interpretação respeita a unidade do sistema jurídico e tem correspondência na letra e no espírito da lei, defendendo como lógica a suspensão da instância em relação a um dos oitocentos Autores falecido, não ocorrendo a habilitação, mas prosseguindo com as partes sobrevi- vas, sendo que o princípio da tutela jurisdicional efetiva evitaria a situação de indefesa de uma esmagadora maioria de Autores coligados (prejudicados), face à negligência de poucos, situação impeditiva de os Autores retirarem da decisão do processo, por razões puramente formais, um efeito útil. V. A interpretação restritiva do acórdão privilegia um formalismo estrito, contra a obrigação de prosseguir a tramitação do processo até à decisão de fundo, refugiando-se numa alegada “quebra da unidade do sistema, relativamente ao mecanismo da suspensão e da deserção”, a qual se não verificaria caso fosse julgada deserta a instância quanto aos negligentes, prosseguindo quanto aos demais. VI. Se o legislador tivesse previsto a violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva – no caso sub judice pela exigência, numa coligação de cerca de oitocentos Autores, de qualquer um ter de habilitar os sucessores des- conhecidos de qualquer outro dos Autores coligados – criaria uma norma no sentido de evitar tal iniquidade. VII. Neste processo verifica-se uma coligação de cerca de oitocentos Autores (cfr. art. 36.º NCPC, anterior art. 30.º CPC) contra o mesmo Réu, o Estado Português, em que cada um dos Autores pede a indemnização a que por sua parte tem direito, em consequência dos prejuízos que sofreu. Cada um dos Autores coligados formula assim uma pretensão distinta e diferenciada, sendo igualmente diversas as causas de pedir, numa multiplicidade de ações ( i. e. , de causas, demandas, lides, instâncias, relações jurídicas processuais, feitos), todas elas autónomas e independentes umas das outras, cada Autor é um sujeito jurídico individual. VIII. A não apresentação de assentos de óbito de Autores falecidos, não pode afetar os Autores sobrevivos, em termos de deserção da instância, pois o não cumprimento do dever de impulso processual afeta unicamente a ação relativamente ao falecido Autor, mantendo-se a instância quanto aos outros (art. 351.º, n.º 1 CPC). Se é verdade que a lei permite às partes sobrevivas habilitarem os sucessores da parte falecida, tal não constitui um dever ou uma obrigação que a lei lhes imponha. A negligência processual não consiste numa omissão de um poder agir, mas na violação de um dever de agir e neste caso, o único sujeito processual onerado com essa obrigação é o conjunto de herdeiros da parte falecida, perdendo o direito de prosseguir a ação. IX. A norma extraída do disposto nos arts. 281.º, n. os 1 e 3 e 351.º, n.º 1, ambos do CPC, deve ser lida com o sen- tido de que, em caso de falecimento de um dos Autores em coligação ativa, o dever de impulso processual cabe aos herdeiros do falecido, pelo que a negligência processual destes determina a extinção da instância quanto ao pedido do Autor falecido, não afetando a instância quanto aos demais Autores sobrevivos coligados. X. É flagrantemente inconstitucional a norma extraída dos arts. 281.º, n. os 1 e 3 e 351.º, n.º 1 ambos do CPC, com o sentido de que, em caso de falecimento de um dos Autores em coligação ativa, recai sobre os Autores sobrevivos o dever de impulso processual do incidente de habilitação de herdeiros, por forma a que o não cumprimento desse ónus determine a extinção da instância quanto a todos os Autores e não unicamente quanto ao pedido formulado pelo Autor falecido, ofendendo o princípio da tutela jurisdicional efetiva, con- tido no princípio do Estado de direito democrático. XI. É manifestamente lacunosa a interpretação do acórdão recorrido que aplica como causa decidendi a norma extraída dos arts. 281.º, n. os 1 e 3 e 351.º, n.º 1, ambos do CPC com o sentido de que, logo que se mostre ultrapassado o prazo de seis meses sem que seja promovido o respetivo incidente de habilitação de herdeiros, o falecimento de um dos Autores coligados impõe que o Juiz decrete a extinção da instância quanto a todos os pedidos e não unicamente quanto ao pedido formulado pelo Autor falecido.
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