TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
550 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 4. De acordo com o artigo 249.º do CIRE, um devedor, pessoa singular, trabalhador por conta de outrem, com mais de 20 credores, ou mais de 300 000 € de crédito não tem nenhuma medida de recuperação judicial ao seu dispor. 5. Por outra banda, um cidadão, trabalhador por conta de outrem, que preencha as condições do Art.º 249.º do CIRE, tem que ter unanimidade dos credores para aprovar a sua medida de recuperação (com possibilidade de suprimento de 1/3 por parte do juiz), ao passo que um devedor empresário, que, ao que parece pode recorrer ao PER, basta-lhe ter o acordo de mais de 50 dos credores. 6. Ou seja, ao mesmo cidadão, conforme trabalhe por conta de outrem ou por conta própria, ser-lhe-á imposta uma descriminação, no entendimento do despacho recorrido, pese embora ter o mesmo montante de dívidas e, de credores e as circunstâncias que motivaram o recurso ao PER sejam exatamente as mesmas... 7. A seguir tal entendimento, constata-se ainda que o devedor pessoa singular, não titular de empresa, terá sempre de ser declarado insolvente, caso pretenda apresentar um Plano de Pagamentos, por forma a reabilitar-se financeiramente, sendo certo que, esta possibilidade é claramente mais penosa, visto que a sua apresentação (à insolvência) implica precisamente dar-se início a um processo de insolvência, o que, só por si, tem consequências na vida das famílias (já que os credores, como a banca, lhes fecham de imediato a porta). 8. Tal não acontece com os devedores pessoas singulares titulares de empresa, que não necessitam de se apre- sentar como insolventes e escapando a esse “cisma” e à descriminação financeira, sem que se vislumbre um motivo válido para esta diferença de tratamento perante a Lei, assim, claramente inconstitucional. 9. Há, portanto, aqui, uma clara violação ao princípio da igualdade dos cidadãos perante a Justiça, caso se entenda aplicar a Lei desta forma, resultando numa violação flagrante do artigo 13.º da C.R.P. 10. Há manifesta inconstitucionalidade de qualquer decisão (jurisdicional ou administrativa) que, também por omissão, não tornasse consequente e que não correspondesse à inequívoca vontade do legislador constitucional de não permitir qualquer forma de discriminação, qualquer que ela fosse e que, por isso mesmo, decidiu na Lei Constitucional a formulação do «Princípio da Igualdade» presente no artigo 13.º da Constituição. 11. Recentes declarações do Governo em funções, nomeadamente da Sra. Ministra da Justiça em resposta ao Jornal Público , vêm no mesmo sentido invocado pelos recorrentes, ao afirmar, ( ... ) Para o Governo, porém, a lei actualmente em vigor não deixa dúvidas. Ao contrário da tendência que começa a ser seguida por muitos juízes, as famílias têm tanto direito quanto as empresas de recorrer a este mecanismo, que é mais célere e mais propenso a acordos de pagamentos de dívidas do que as tradicionais falências judiciais, entende o Ministério da Justiça ( ... ) Questionado pelo PÚBLICO sobre as recusas que começam a estender-se a vários tribunais do país quando um particular pede para aceder ao PER, o ministério deu uma resposta clara: “Não parece adequado, por ora, restringir a utilização do PER a pessoas coletivas ou a empresas ou empresários.” Mas, na verdade, é isso que está a acontecer desde meados do ano passado, a partir do momento em que saiu do Tribunal da Relação de Évora o tal acórdão de 9 de Julho que indeferia um recurso de um particular a quem tinha sido vedado o acesso a este mecanismo por um tribunal de primeira instância. O argumento? “O PER não se destina aos devedores pessoas singulares que não sejam comerciantes ou empresários nem exerçam, por si mesmos, qualquer actividade autónoma e por conta pró- pria”. Ora, ao contrário desta posição, a tutela de Francisca Van Dunem vem agora frisar que “a lei não distingue os devedores, sejam estes pessoas singulares ou coletivas, ou, até, entes não personalizados com capacidade jurídica (designadamente, fundos autónomos ou outros patrimónios)”. E mais: “a intenção do legislador foi a de permitir a todos os devedores que se encontrem em situação de insolvência meramente iminente ou em situação económica difícil que possam recuperar-se, desde se encontrem em condições para tal, isto é, que não se encontrem em situa- ção de insolvência actual. ( ... ) 12. O que é facto é que o Supremo Tribunal de Justiça decidiu manter a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, não reconhecendo a existência da alegada inconstitucionalidade, no sentido em que foram interpretadas as referidas normas 13. Encontram-se agora os recorrentes face à situação de que é inequívoco que nos presentes autos se encon- tram já para si irremediável e completamente esgotados todos os meios ou recursos jurisdicionais ordinários,
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