TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
554 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL empresários em nome individual -, e as pessoas singulares que não possuam semelhante qualidade. Com efeito, atribui àquelas, mas não a estas, o poder de desencadearem um PER. Ora, a questão que se coloca é a de saber se tal desigualdade de tratamento é arbitrária ou é, pelo con- trário, «materialmente fundada». Para responder a tal questão, é indispensável que se determine qual o ponto de vista ou termo de comparação entre os sujeitos a tratamento diferenciado pela norma sindicada. E esse tertium comparationis terá de procurar-se nas finalidades da norma ou do regime que a mesma integra. Como se escreveu no Acórdão n.º 195/17: «Uma distinção legal é racional se for ditada pela própria finalidade da lei; atente-se na distinção entre automó- veis ligeiros e pesados no regime que estabelece os limites de velocidade na circulação rodoviária. E será arbitrária se não tiver qualquer relação, ou uma relação comensurável, com a ratio legis , como seria o caso se a lei estabelecesse limites de velocidade diversos consoante a proveniência geográfica do construtor do automóvel. Chega-se a estas conclusões, como é bom de ver, através da determinação, ainda que implícita, de um termo de comparação entre as pessoas ou situações diferenciadas pela lei; no caso dos limites de velocidade, cuja finalidade é mitigar o risco de acidentes e dos danos emergentes da sua ocorrência, o tertium comparationis são as propriedades dos veículos que os tornam mais ou menos perigosos e mais ou menos aptos a provocar danos em caso de acidente ─ contando-se entre tais propriedades a massa do veículo, mas não a origem do seu construtor.» O PER foi criado através da Lei n.º 16/2012, de 20 de abril, a qual veio alterar o CIRE. Trata-se de um pro- cesso especial destinado à «revitalização» de devedores em situação económica difícil ou de insolvência iminente. Os motivos que conduziram à sua criação, e aos quais o Tribunal recorrido atribuiu relevância decisiva na interpre- tação da lei, foram explicitados na Proposta de Lei n.º 39/XII: «O principal objetivo prosseguido por esta revisão passa por reorientar o Código da Insolvência e Recu- peração de Empresas para a promoção da recuperação, privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial, relegando-se para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação. (…) O processo visa propiciar a revitalização do devedor em dificuldade, naturalmente que sem pôr em causa os respetivas obrigações legais, designadamente para regularização de dividas no âmbito das relações com a administração fiscal e a segurança social. O processo especial de revitalização pretende assumir-se como um mecanismo célere e eficaz que possibilite a revitalização dos devedores que se encontrem em situação eco- nómica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente mas que ainda não tenham entrado em situação de insolvência atual. A presente situação económica obriga, com efeito, a gizar soluções que sejam, em si mesmas, eficazes e eficientes no combate ao “desaparecimento” de agentes económicos, visto que cada agente que desaparece representa um custo apreciável para a economia, contribuindo para o empobrecimento do tecido económico português, uma vez que gera desemprego e extingue oportunidades comerciais que, dificilmente, se podem recuperar pelo surgimento de novas empresas. Este processo especial permite ainda a rápida homologação de acordos conducentes à recuperação de devedores em situação económica difícil cele- brados extrajudicialmente, num momento de pré-insolvência, de tal modo que os referidos acordos passem a vincular também os credores que aos mesmos não se vincularam, desde que respeitada a legislação aplicável à regularização de dívidas à administração fiscal e à segurança social e observadas determinadas condições que asseguram a salvaguarda dos interesses dos credores minoritários.» De acordo com estas passagens, a criação do PER visou a manutenção no «giro comercial» do devedor cuja atividade económica é recuperável, tendo em conta os custos para a economia que representa o «desaparecimento de agentes económicos», em função do seu valor comercial e dos postos de trabalho que asseguram. Ora, os «agentes económicos» em causa são, essencialmente, as empresas – «organização de capital e trabalho destinada ao exercício de qualquer atividade económica», nos termos da definição consagrada no artigo 5.º do
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