TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
555 acórdão n.º 614/18 CIRE –, em virtude, quer do facto de elas terem um valor comercial (o chamado «aviamento» ou goodwill ) que ultrapassa o valor do património que lhes está afeto, valor esse que necessariamente se perde com a sua desintegra- ção, quer do facto de empregarem, em maior ou menor medida, o fator trabalho no processo produtivo. Em suma, segundo a interpretação acolhida pelo Tribunal recorrido, a finalidade visada pelo legislador foi a proteção do tecido empresarial. Daí se segue que o termo de comparação pertinente entre os sujeitos a tratamento desigual é a natureza – empresarial ou não-empresarial – da sua atividade. Desse ponto de vista, nada há, evidente- mente, de arbitrário na solução legal, uma vez que, no universo das pessoas singulares, apenas os comerciantes ou empresários em nome individual têm as características que justificam o PER – características essas que, recorde-se, o Tribunal recorrido entendeu que os ora recorrentes não possuem. Conclui-se, pois, que a norma sindicada não viola o princípio geral da igualdade, consagrado no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição. 8. No corpo das alegações do recurso de constitucionalidade, os recorrentes invocam ainda o n.º 2 do artigo 13.º da Constituição, nos segmentos em que proíbe a discriminação em razão da situação económica ou da con- dição social das pessoas. Como se viu, o princípio da igualdade proíbe a desigualdade arbitrária de tratamento, ou seja, aquela que não tenha por fundamento e medida a finalidade prosseguida pela norma ou regime que a imponha. O n.º 2 do artigo 13.º acrescenta-lhe a proibição do tratamento desigual fundado em certo tipo de razões, intrinsecamente discriminatórias; o racismo, a homofobia, o classismo ou a misoginia – para dar alguns exemplos -, não podem em caso algum justificar o tratamento desigual das pessoas, porque são finalidades constitucionalmente proscritas. Ora, o que o artigo 13.º, n.º 2, proíbe, nos segmentos invocados pelos recorrentes, é que o legislador trate desi- gualmente as pessoas em razão ou por força da sua situação económica ou condição social, isto é, com a finalidade de privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever pessoas em função da classe económica, social ou profissional que integrem. Não é esse, manifestamente, o caso do regime do PER, tal como o concebeu o Tribunal recorrido, por duas razões alternativas: por um lado, porque o tratamento desigual entre sujeitos empresariais e não-empresariais não constitui uma discriminação entre pessoas de condição social ou situação económica diversa; por outro lado, tal desigualdade de tratamento tem por fundamento as finalidades de política económica anteriormente referidas e não qualquer razão intrinsecamente discriminatória(…)» 12. Ora, pelas razões que de seguida serão expostas, é de transpor este entendimento e respetivo juízo decisório para o presente recurso. 13. A consagração constitucional do princípio da igualdade pode ser encontrada no artigo 13.º da Constituição. O n.º 1 deste preceito estabelece uma afirmação geral do princípio e o seu n.º 2 proíbe a discriminação com base numa listagem exemplificativa de razões. As razões que o recorrente invoca nas alegações que produziu reconsuzem-se ao princípio da igualdade na sua dimensão de proibição de arbítrio (artigo 13.º, n.º 1, da Constituição), não sendo invocada características dos grupos de pessoas identificados na comparação estabelecida que justifiquem a aplicação do artigo 13.º, n.º 2, da Constituição. Na verdade, o tratamento desigual entre sujeitos empresariais e não empresariais não configura uma discriminação entre pessoas de condição social ou económica diversa. Como se sabe, o princípio da igualdade obriga, em primeira linha, que seja conferido tratamento igual a situações de facto tidas por essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais (proibindo, inversamente, o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual das situações desi- guais) – cfr., entre outros, os Acórdãos n. os 187/90, 381/93 335/94, 509/02 e 232/03. Desta asserção resulta, pois, que nada impede o legislador de criar diferenciações de tratamento, desde que essas sejam tidas por “razoável, racional e objetivamente fundadas, sob pena de assim não sucedendo, estar o legislador a incorrer em arbítrio, por preterição do acatamento de soluções objetivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes” (Acórdão n.º 335/94).
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