TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
556 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Assim sendo, importa verificar se a interpretação normativa em discussão nos presentes autos, da qual resulta, inequivocamente, uma diferença de tratamento entre aqueles que são titulares de uma empresa ou atividade económica e os que não dispõem dessa qualidade, beneficia de fundamentação material bastante. E essa aferição passará, no essencial, por uma apreciação da finalidade das normas e se esse desiderato pode ser tido como o elemento definidor do tratamento jurídico diverso conferido aos dois diferentes grupos de potenciais destinatários da norma (cfr., entre outros, Acórdão n.º 330/93). 14. Ora, ainda que o desígnio da recuperação e preservação da estrutura empresarial não seja recente no ordenamento jurídico português, foi com a reforma de 2012 que o legislador retomou a sua preocupação com a recuperação e preservação da estrutura empresarial em sede insolvencial, já anteriormente expressa no Decreto-Lei n.º 177/86, de 2 de julho, e no Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de abril, que aprovou o Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e da Falência. Invertendo o que resultava do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas na sua versão ori- ginária (em especial, pela consagração da primazia do interesse dos credores no artigo 46.º do mencionado diploma), a Lei n.º 16/2012, de 20 abril, veio retomar a recuperação da empresa como uma das principais finalidades prosseguidas pelo direito insolvencial. E fê-lo pelo reforço dos mecanismos de restruturação e recuperação das empresas em situação económica difícil e, em especial, pela criação do PER enquanto processo que visa permitir a um devedor estabelecer negociações com os respetivos credores, tendo em vista a celebração de um acordo tendente à sua revitalização económica e consequente prosseguimento da sua atividade empresarial. De facto, de acordo com a proposta de Lei n.º 39/XII que deu origem à aprovação e entrada em vigor da Lei n.º 16/2012, o PER trata-se de um processo destinado à «revitalização» e consequente manutenção do devedor no giro comercial, relegando para segundo plano a liquidação do património sempre que se mostre viável a sua recuperação. Com a sua tramitação e consequente aprovação de um plano especial de revitaliza- ção procura-se combater o “desaparecimento” de agentes económicos, preservando e estimulando o tecido empresarial português. Neste sentido, como afirmado no Acórdão n.º 398/17, de 12 de julho, «a criação do PER visou a manu- tenção no “giro comercial” do devedor cuja atividade económica é recuperável, tendo em conta os custos para a economia que representa o «desaparecimento de agentes económicos», em função do seu valor comer- cial e dos postos de trabalho que asseguram. Ora, os “agentes económicos” em causa são, essencialmente, as empresas – “organização de capital e trabalho destinada ao exercício de qualquer atividade económica”, nos termos da definição consagrada no artigo 5.º do CIRE -, em virtude, quer do facto de elas terem um valor comercial (o chamado “aviamento” ou goodwill ) que ultrapassa o valor do património que lhes está afeto, valor esse que necessariamente se perde com a sua desintegração, quer do facto de empregarem, em maior ou menor medida, o fator trabalho no processo produtivo.» 15. Assim sendo, uma interpretação dos preceitos em escrutínio no sentido de que ficam afastadas, do âmbito de aplicação do PER, pessoas singulares que não sejam comerciantes ou empresários em nome indi- vidual, encontra-se suportada no entendimento razoável e objetivo de que o legislador se propôs criar um regime apenas destinado à recuperação de “agentes económicos empresariais”, procurando preservar o seu valor comercial, e não de qualquer pessoa singular, nomeadamente as que exerçam uma atividade económica autónoma ou por conta de outrem. 16. Este sentido, favorável a um juízo de que a finalidade visada pelo legislador com a criação do PER foi a da proteção do tecido empresarial, foi entretanto expressamente confirmado no plano normativo, na medida em que o Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30 de junho, alterou o n.º 1 do artigo 17.º-A do CIRE no sentido de que o processo especial de revitalização destina-se «a permitir à empresa (…) estabelecer
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