TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

578 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL V - A interpretação da norma contida nos artigos 163.º e 164.º, n. os 2 e 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) no sentido de vedar ao credor garantido a possibilidade de invo- car perante o juiz um vício consistente na falta da sua audição sobre a venda dos bens sobre os quais incide a garantia constitui uma restrição de sinal contrário ao direito previsto no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição; VI - Tal interpretação obedece a uma preocupação do legislador com a celeridade do processo de insolvência, a qual se assume como um valor constitucionalmente relevante, a que o próprio artigo 20.º da Consti- tuição não deixa de se referir no seu n.º 5, revestindo-se de especial relevância na condução de processos de insolvência; VII - Não obstante, a admissibilidade da restrição de um direito constitucionalmente protegido (no caso, o direito acolhido no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição) por uma norma que visa dar cumprimento a outro valor constitucionalmente relevante (no caso, a celeridade, referida no artigo 20.º, n.º 5, da Constituição) carece de aferição mediante um juízo de proporcionalidade, nos termos do artigo 18.º, n. os 2 e 3, da Constituição; VIII - Tal aferição opera através da incidência de três testes: (i) o teste da adequação, com o qual se determi- na a aptidão objetiva da medida à prossecução de um fim público legítimo, determinando-se, pois, a adequação dessa medida ao fim visado, afastando atuações lesivas que não contribuam sequer para a realização de tal fim; (ii) o teste da necessidade da medida em causa, ficcionando-se alternativas que, proporcionando o mesmo grau de satisfação do interesse público, sejam menos restritivas do interesse afetado; (iii) por fim, o teste da proporcionalidade em sentido estrito, através do qual se determina a existência de uma relação equilibrada entre o valor em causa na prossecução do objetivo subjacente à atuação e o nível de restrição da posição afetada por essa mesma atuação; IX - A restrição indicada em V deste sumário constitui uma medida adequada a assegurar a celeridade do processo de insolvência, já que os atos de liquidação poderão ser mais rapidamente promovidos e con- solidados no seu efeito, eventualmente por preço inferior ao que resultaria da audição dos credores, o que também poderá alargar o âmbito dos potenciais interessados e, por essa via, alienar os bens mais rapidamente. Satisfaz a medida em causa, pois, o teste da adequação; X - Tal interpretação permite que o administrador venda os bens sem prévia audição dos credores garantidos, pelo preço que encontrar e sem que o credor possa posteriormente pôr em causa, perante o juiz, a omissão dos procedimentos tendentes à sua audição legalmente previstos. O ganho de celeridade da liquidação obtém-se, precisamente, ao vedar aos credores vias impugnatórias intraprocessuais daqueles atos, assim os consolidando definitivamente, pelo que não seria obtida uma vantagem (nesse estrito plano) equivalente sem o correspondente sacrifício. Satisfaz a dita medida, deste modo, o teste da necessidade; XI - Porém – quanto ao teste da proporcionalidade em sentido estrito –, se a celeridade do concurso e da liquidação constitui um interesse a proteger na insolvência, dificilmente se encontra na interpretação indicada em V supra um benefício para os interesses que o processo de insolvência visa servir. Com efeito, consolidar os atos de liquidação dos quais ficaram arredados os credores garantidos não serve o interesse destes e só em reduzida, mediata e incerta medida poderá servir os interesses do devedor; XII - A solução induzida pela interpretação em causa redunda na proteção do terceiro que negociou e con- tratou com o administrador da insolvência, salvaguardando a sua posição no caso de ter adquirido

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