TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
58 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL A regra consagrada neste preceito visa estabilizar o leque de créditos imputados ao devedor, cristalizando a sua exigibilidade com referência ao momento da declaração de insolvência. Não obstante regra idêntica não existir no direito falimentar anterior, similar efeito era determinado pelo despacho de prosseguimento da ação (cfr. o n.º 1 do artigo 29.º do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência; vide Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado , 3.ª edição, Quid Iuris, 2015, p. 456, e idem, Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falên- cia Anotado , 3.ª edição, Quid Iuris, 1999, p. 131). Na verdade, tal regra é modeladora do processo insolvencial, não se ligando de forma específica aos créditos tributários: aquela disposição conforma o “processo de insolvência, não introduzindo qualquer alte- ração no regime geral dos impostos (incluindo em matéria de prescrição e de caducidade)” (vide o Acórdão n.º 362/15). O seu escopo é “uniformizar a situação dos credores no decurso do processo de insolvência. Na verdade, se não houvesse suspensão, alguns credores veriam os seus direitos postos em causa, por não poderem exercê-los senão no quadro do processo de insolvência” (cfr. Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado , 2013, p. 288). Trata-se de assegurar a concentração do processo falimentar – enquanto processo de execução universal –, tendo em conta o prin- cípio par conditio creditorum (assente nas ideias de partilha do risco e de igualdade dos credores) e a impossi- bilidade de exercício dos direitos dos credores fora do processo de insolvência, prevenindo que certo credor obtenha, após a declaração de insolvência, uma satisfação mais célere do seu crédito (cfr. Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência , 6.ª edição, 2014, p. 174; Catarina Serra, O regime português da insolvência , 5.ª edição, 2012, p. 56; Luís Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 6.ª edição, 2015, p. 165; Márcia Antunes Gomes, “Efeitos da declaração de insolvência sobre a prescrição tributária”, in Cadernos de Justiça Tributária, n.º 17, 2017, p. 12). Procede-se, portanto, a uma estabilização do passivo, permitindo avaliar a situação do devedor e tomar decisões (cfr. Alexandre Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insol- vência , 2.ª edição, Almedina, 2016, pp. 162 e 170). Já a norma em crise, que é extraída do citado artigo 100.º do CIRE, assume este último preceito como lex specialis com uma função complementar relativamente às causas de suspensão da prescrição previstas no artigo 49.º da Lei Geral Tributária, (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro (“LGT”) e, como tal, sujeita ao regime do artigo 48.º, n.º 2, da mesma Lei: “As causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários”. Com efeito, nos três julgamentos de inconstitucionalidade que deram origem aos presentes autos apenas esteve em causa um específico sentido do citado preceito: somente foi julgada inconstitucional a interpreta- ção normativa segundo a qual a declaração de insolvência determina a suspensão da prescrição das dívidas tributárias imputadas ao responsável subsidiário (e não ao devedor insolvente) no âmbito do processo tri- butário. Quer isto dizer que não se questionou a suspensão da prescrição das dívidas tributárias exigidas ao insolvente, mas apenas a interpretação segundo a qual a mesma regra é também aplicável a quem não é o insolvente – e, por isso, não intervindo no respetivo processo – exigindo-se-lhe o tributo como responsável subsidiário no âmbito do processo tributário. Por conseguinte, os presentes autos (de generalização dos julgamentos de inconstitucionalidade) apenas podem incidir sobre a interpretação do artigo 100.º do CIRE, nos termos da qual, quando no processo tri- butário são exigidas dívidas tributárias ao responsável subsidiário, este não pode invocar a prescrição de tais dívidas, se, por força da declaração da insolvência do devedor principal, o decurso do respetivo prazo pres- cricional, tiver sido suspenso. Por outras palavras, está em causa a possibilidade, fundada numa interpretação normativa do citado artigo 100.º do CIRE, de, no âmbito do processo tributário, opor ao responsável sub- sidiário uma causa de suspensão da prescrição – a declaração de insolvência do devedor principal – adicional relativamente às previstas na LGT. É somente com este sentido interpretativo – o da aplicação da regra de suspensão prescricional a dívidas tributárias imputadas ao responsável subsidiário, no âmbito do processo tributário – que se coloca o problema da eventual invasão, pelo Governo, da competência da Assembleia
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