TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

582 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL que se nos afigura inevitável, quer em razão da concordância e da adesão ao conteúdo do acórdão do Supremo Tri- bunal de Justiça, datado de 4 de abril de 2017 – acolhido na argumentação expendida pelo Tribunal da Relação de Évora na douta decisão impugnada –, quer, igualmente, porque a força da evidência sustentada na intuição jurídica parece impor inelutavelmente, no caso vertente, essa inferência. 37. Essa conclusão é coincidente com o teor da douta decisão impugnada, no sentido de julgar materialmente violadora do direito à tutela jurisdicional efetiva a interpretação normativa extraível dos artigos 163.º e 164.º, n.º 3, do CIRE, no sentido de impossibilitar ao credor com garantia real sobre o bem a alienar a faculdade de arguir perante o juiz do processo a nulidade da alienação efetuada pelo administrador com violação dos deveres de informação do valor base fixado ou do preço da alienação projetada a entidade determinada. 38. Efetivamente, pronunciando-se sobre a questão que agora escrutinamos, julgou o Supremo Tribunal de Justiça ser violadora do disposto nos n. os 1 e 5 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, a interpre- tação normativa do artigo 163.º do CIRE no sentido de que a decisão judicial de anulação da venda excederia os poderes jurisdicionais do juiz titular do processo de insolvência em relação aos atos praticados na liquidação do ativo, decisão substantivamente coincidente com a que se examina nos presentes autos, extraída do prescrito nos artigos 163.º e 164.º, n.º 3, do CIRE. 39. O que se discute, substantivamente, nos autos, consubstancia-se na retirada legal aos intervenientes proces- suais da possibilidade de impugnar perante o juiz os atos do administrador da insolvência, designadamente, como ocorre no caso vertente, um ato de venda efetuada por preço inferior ao valor base fixado, sem prévia informação do credor com garantia real, em violação do disposto no artigo 164.º, n.º 2, do CIRE. 40. Esta negação a um sujeito processual, face a uma evidente violação de um seu direito, maxime direito real, do poder de impugnar perante o juiz do processo um ato ilegal e lesivo contraria, indubitavelmente, não só o disposto nos n. os 1 e 5 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, conforme foi decidido pela douta decisão a quo mas, igualmente, aditamo-lo nós, o proclamado no n.º 4, do mesmo artigo 20.º, do Texto Funda- mental, ou seja, o direito a um processo equitativo. 41. Com efeito, a norma legal impugnada, ao privar o credor hipotecário do direito a suscitar a intervenção processual de um juiz com vista a repor a legalidade de atos ilegais praticados pelo administrador da insolvência violadores de interesses juridicamente protegidos, lesa, inevitavelmente, o princípio constitucional do direito de acesso aos tribunais, designadamente na sua vertente de direito de acesso aos tribunais, previsto no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa. 42. Noutra perspetiva, este impedimento, imposto ao credor hipotecário de, no seio do processo no qual foi praticada a ilegalidade, fazer valer o direito violado, remetendo-o para um distinto, e imprevisível, meio processual, lesa o direito constitucional à tutela jurisdicional efetiva, na sua dimensão de proibição da indefesa, ao não prever ações processuais apropriadas à prossecução das pretensões de tutela deduzidas em juízo, lesando, igualmente, o direito à tutela jurisdicional efetiva, proclamado no n.º 5 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa. 43. Mais acresce, em aditamento ao decidido no douto acórdão impugnado, que a solução legal sob escrutínio ao não prever normas processuais que “proporcionem aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos e paridade entre as partes na dialética que elas protagonizam no processo” também viola, no nosso entendimento, e em conformidade com os contributos adquiridos, o direito constitucional a um processo equitativo, plasmado no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa. 44. Atento o explanado, não podemos deixar de, perante a interpretação normativa do disposto nos artigos 163.º e 164.º, n.º 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas acolhida pela douta decisão impug- nada, sustentar a sua inconstitucionalidade material, por violação dos princípios do direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva e, bem assim, do direito a um processo equitativo. 45. Por força do exposto, deverá ser tomada decisão no sentido de julgar inconstitucional a interpretação nor- mativa do disposto, conjugadamente, nos artigos 163.º e 164.º, n.º 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, impossibilitando ao credor com garantia real sobre o bem a alienar a faculdade de arguir perante o juiz do processo a nulidade da alienação efetuada pelo administrador com violação dos deveres de informação do

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