TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

584 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL relativamente ao qual se preencham os índices do n.º 2, quer um ato que se apresente como análogo àqueles que estão enunciados no n.º 3. Tanto dos índices, quanto dos casos expressamente previstos, resulta que terão especial relevo atos que influenciem decisivamente o processo de insolvência, quer porque têm especial impacto na massa insolvente, quer porque repercutem efeitos no conjunto das dívidas da insolvência. Curiosamente, entre os atos que assumem especial relevo não se preveem especificamente as atuações pro- cessuais.’ (destaque e sublinhado nosso) A lei insolvencial não contempla a possibilidade de anulação de atos praticados pelo AI, em sede de liquidação da massa insolvente, que enferme de vícios processuais cometidos, por ação ou omissão, na venda por negociação particular por si promovida, que [na situação em causa neste acórdão, eram…] os invocados pelo recorrente. A alienação, mesmo no caso de venda por negociação particular – a modalidade quiçá menos transparente de venda forçada –, mesmo que enferme de vício de tal natureza não prejudica a eficácia dos atos, exceto no caso (aqui nem sequer ventilado) de as obrigações assumidas pelo AI excederem manifestamente as da contraparte – art. 163.º do CIRE. Os tratadistas são críticos da solução legal, se, como parece ser opinião dominante, o lesado ou lesados com a atuação do AI apenas o puderem demandar civilmente, para o responsabilizar pelos danos causados com tal atuação: por não ter agido segundo o padrão do gestor criterioso e ordenado, sendo administrador de interesses alheios, como órgão da insolvência na veste de colaborador da justiça, ou então, diligenciando no processo, por via do pedido de destituição do cargo; a sanção de destituição por justa causa (aliás pedida e decretada neste processo, ainda que sem decisão transitada em julgado, ao que se sabe). Em comentário ao art. 163.º do CIRE, ligando-o às consequências dos atos praticados pelo AI, em violação dos arts. 161.º e 162.º – Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado , págs. 462 e 463, escrevem: ‘4. A ressalva dos negócios em que as obrigações assumidas excedam ‘manifestamente’ as da contraparte coloca o problema não resolvido legalmente de saber em que ação se apreciam estes atos, quem tem legiti- midade para a propor e quem indemniza os danos dos terceiros que tenham intervindo nos atos declarados ineficazes. Nenhuma das questões é irresolúvel, mas teria sido preferível que a lei se ocupasse do seu regime. Parece-nos que a(s) ação(ões) tendente(s) a declarar a ineficácia do(s) ato(s) corre(m)por apenso ao processo de insolvência, cabendo legitimidade para a(s) intentar a qualquer credor ou ao devedor, sendo a responsabi- lidade pela sua celebração do administrador da insolvência, que, apesar de apenas estar prevista no artigo 59.º perante o devedor e os credores, não deixa de responder nos termos gerais por responsabilidade pré-contratual perante aqueles com quem tenha negociado. Carvalho Fernandes e João Labareda ( ibidem , pág. 544) afirmam que, ‘antes do mais’, a assembleia de cre- dores ‘poderá […] decidir a propositura da ação, […] porque é o próprio coletivo de credores o principal lesado pela violação’. Se houver lugar à destituição do administrador, acrescentam: ‘supomos que o novo administra- dor deverá, ele próprio, ser encarregado de promover a ação’, e: ‘no caso contrário, a assembleia terá o poder de nomear um representante especial para essa ação, visto que o próprio administrador infrator terá de ser demandado nela’. Ainda os autores citados ( ibidem ) opinam que, não havendo ‘nenhum mecanismo de exce- ção’, ‘restará unicamente a instauração de uma ação declarativa dirigida contra quem pretenda aproveitar – ou fazer prevalecer – o ato atacado, e contra o administrador infrator tendente a obter a declaração jurídica da sua ineficácia”, com toda “a perturbação que isso comporta para a insolvência, que vai desde a possível dificuldade de prova do requisito do pedido […] até à simples demora do processo’. 5. Naturalmente que, como acabou de ficar dito, a prática de atos pelo administrador da insolvência em desrespeito da lei pode, se culposa, implicar a sua responsabilidade perante o devedor e os credores (da insol- vência ou da massa insolvente) nos termos do artigo 59.º, sendo constituir justa causa para a sua destituição, de acordo com o artigo 56.º.’

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