TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
585 acórdão n.º 616/18 Soveral Martins, in Um Curso de Direito da Insolvência , 2015, págs. 294 – 295 – não se afasta desta perspetiva, quando escreve – ‘A falta do necessário consentimento da comissão de credores ou da assembleia de credores não prejudica, em regra, a eficácia do ato jurídico de especial relevo do administrador da insolvência (art. 163.º). A ine- ficácia ocorrerá, porém, se as obrigações assumidas pelo administrador da insolvência excederem manifestamente as da contraparte’. Este regime é aplicável também aos casos em que o juiz mandou sobrestar na alienação (art. 161.º 5). Mas, ainda que o ato não seja ineficaz, isso não significa que o administrador da insolvência o possa praticar sem o consentimento exigido. A prática do ato sem esse consentimento pode conduzir à destituição com justa causa do administrador da insolvência e até à sua responsabilização civil.’ (destaque nosso) Será o regime legal vigente, de reação aos atos ilegais do AI, mormente o art. 163.º do CIRE, compatível com a tutela jurisdicional efetiva dos direitos afetados no processo da insolvência? Recusando-se ao juiz do processo de insolvência poder apreciar e anular a venda por negociação particular, promovida pelo AI, em violação das normas que lhe impõem a adoção das formalidades previstas nos arts. 161.º e 162.º do CIRE, não sairá afetado o direito fundamental dos prejudicados, de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva previsto no art. 20.º da Constituição da República? Cremos que tal entendimento viola o art. 20.º, n. os 1 e 5, da Constituição da República se se entender, como no acórdão recorrido, que ‘o administrador está vinculado a atuar como administrador criterioso e ordenado, sob pena de responder pelos danos que a sua atuação cause aos credores. Contudo, os seus atos não podem ser impug- nados perante o juiz, já que perante terceiros, em regra, se mantêm válidos e eficazes, sem prejuízo do dever de indemnização que façam recair sobre o administrador. Tanto basta para concluir que o recurso não pode deixar de improceder uma vez que não cabe na competência jurisdicional apreciar a regularidade dos atos praticados pelo administrador que motivaram o recurso.’ (destaque e sublinhado nosso) Este entendimento foi, mais recentemente, sufragado nos Acórdãos da Relação do Porto de 23.1.2017 – Proc. 571/12.9T2AVR-H.P1 – e de 30.1.2017 – Proc. 530/16.2T8AVR-F.P1 – in www.dgsi.pt ., no que parece consti- tuir jurisprudência pacífica daquele Tribunal. O art. 20.º, n.º 1, da Constituição da República estatui: ‘a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiên- cia de meios económicos’ e o n.º 5 – ‘Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.’ Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada , – 4.ª edição revista e aumentada – Vol. I, em anotação ao normativo, pp. 408 e seguintes expressam: ‘O direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva (n.º 1 e epígrafe) é, ele mesmo, um direito fundamental constituindo uma garantia imprescindível da proteção de direitos fundamentais. Sendo, por isso, inerente à ideia de Estado de direito. É certo que carece de conformação através da lei, ao mesmo tempo em que lhe é congénita uma incontornável dimensão prestacional a cargo do Estado […]’ e, na pág. 416, ‘Na epí- grafe e n.º 5 a Constituição alude expressis verbis ao direito à tutela jurisdicional efetiva (epígrafe) ou ao direito à tutela efetiva (n.º 5). Não é suficiente garantia o direito de acesso aos tribunais ou o direito de ação. A tutela através dos tribunais deve ser efetiva. O princípio da efetividade articula-se, assim com uma compreensão unitária da relação entre direitos materiais e direitos processuais, entre direitos fundamentais e organização e processo de proteção e garantia. Não obstante reconhecer o direito à proteção de direitos e interesses, não é suficiente garantia o direito de ação para se lograr uma tutela efetiva. O princípio da efetividade postula, desde logo, a existência de tipos de ações ou recursos adequados (cfr. Código de Processo Civil, art. 2.º-2), tipos de sentenças apropriados às pretensões de tutela deduzida em juízo e clareza quanto ao remédio ou ação à disposição do cidadão (cfr. As for- mas de processo hoje consagradas no Cód. Proc. Trib. Admin., arts. 35.º e ss.). A imposição constitucional da tutela jurisdicional efetiva impende, em primeiro lugar, sobre o legislador, que a deve tomar em consideração
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