TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
586 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL na organização dos tribunais e no recorte dos instrumentos processuais, sendo-lhe vedado: (1) a criação de difi- culdades excessivas e materialmente injustificadas no direito de acesso aos tribunais; (2) a criação de ‘situações de indefesa’ originadas por conflitos de competência negativos entre vários tribunais.’ A tutela jurisdicional deve ser efetiva, e não o é quando a lei assegura, mas de forma colateral, a ‘proteção’ de direitos, quando a parte, que se considera prejudicada em processo pendente, argui perante o Juiz, a existência de vícios processuais que contendem com o seu direito. No caso, mesmo que a prática de atos de especial relevo da competência do administrador da insolvência, na fase de liquidação da massa insolvente, evidenciem terem sido por si violados os arts. 161.º e 162.º do CIRE pelo administrador da insolvência, o art. 163.º do CIRE estatui que tal violação ‘não prejudica a eficácia dos atos do administrador da insolvência, exceto se as obrigações por ele assumidas excederem manifestamente as da contra- parte’. Este normativo, na interpretação do Acórdão recorrido, não contempla o direito da parte lesada, no incidente de liquidação, por ato ou omissão do AI, poder arguir, perante o Juiz do processo, vícios procedimentais. A vingar tal interpretação, o remédio ao alcance de quem no processo for lesado, por atuação ilegal daquele órgão, é nenhum em termos imediatos e de proporcionalidade, exprimindo indefesa. Disporá, quem for prejudicado, do direito de intentar ação indemnizatória para obter a condenação do AI, pelos danos patrimoniais sofridos e pedir a destituição do cargo com justa causa, esta, sim, a apreciar no processo pelo Juiz. A lei confere ao lesado como que uma possibilidade de atuação sancionatória de um órgão da insolvência, mas permanece eficaz o ato praticado que não será sindicável no processo. Parece incongruente: o lesado quererá, sobretudo, ver declarada a ineficácia de um ato que patrimonialmente pode ser danoso. Não obterá a reparação, pela via da arguição da nulidade processual do ato, mas apenas, no contexto de respon- sabilização em ação judicial em que terá que ser demandante, podendo obter uma indemnização pelos prejuízos sofridos. Segundo o art. 839.º, n.º 1, al. c) , do Código de Processo Civil, a venda forçada fica sem efeito, em processo executivo, se for anulado o ato da venda, nos termos do art. 195.º, ou seja, são aplicáveis as regras gerais sobre a nulidade dos atos omissivos ou comissivos prescritos na lei. Não se ignora que a insolvência é um processo de liquidação universal, que se rege por regras próprias, sendo subsidiariamente aplicável o Código de Processo Civil, como prevê o art. 17.º do CIRE; estando em causa, no processo de insolvência, interesses dos credores (que podem ser muitos) – a execução é universal e concursal – do devedor insolvente e outros, não parece que a não apreciação imediata no processo de direitos alegadamente violados, exprima tutela efetiva. Só excecionalmente – ut. parte final do art. 163.º do CIRE – a violação do disposto nos arts. 161.º, n.º 1, e 162.º. (que contemplam atos de ‘especial relevo’) conduzirá à ineficácia dos atos ilícitos praticados. O processo de insolvência, que o legislador quis célere e desjudicializado, não pode erigir tais valores em objetivos em si mesmos, com prejuízo dos interesses que nele se jogam. A celeridade, a desburocratização, a desju- dicialização e os amplos poderes do administrador da insolvência, no incidente de liquidação da massa insolvente, não devem ser interpretados de forma a excluir o papel imparcial e soberano do Juiz, relegando-o para um papel secundário de mero controlo, ou no limite, nem sequer lhe consentindo que possa apreciar a irregularidade do negócio em que interveio o administrador da insolvência. A interpretação que o douto Acórdão recorrido acolhe, no que respeita ao art. 163.º do CIRE, sentenciando que um credor hipotecário, alegadamente prejudicado pela atuação violadora do administrador da insolvência, no contexto de venda por negociação particular de dois imóveis, não pode suscitar essa atuação ilícita perante o Juiz do processo, e que o despacho do julgador da 1.ª Instância que apreciou tal arguição decretando a pedida nulidade, é ilegal por o ato ser eficaz, considerando que resta ao lesado intentar ação de responsabilidade civil contra o AI, e/ou pedir a sua destituição com justa causa, como únicas sanções para os atos ilegais praticados, viola o art. 20.º, n. os 1 e 5, da Constituição da República, por não assegurar imediatamente no processo, tutela jurisdicional efetiva
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